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Entrevista - Ricardo Maranhão, 68

Pesca industrial e turismo predatório ameaçam pescadores

No livro "Gente do Mar", historiador relata visitas a comunidades do litoral brasileiro que podem desaparecer se não se articularem

LUIZA FECAROTTA EDITORA DE "COMIDA" E "TURISMO"

"Você entra em uma canoa e, em menos de uma hora, chega em um lugar escondido entre as palmeiras, com umas aldeias arrumadinhas, lindas, e aqueles caiçaras com redes enormes, cheias de pescado", relata o historiador Ricardo Maranhão, 68.

Também professor de história da gastronomia da universidade Anhembi Morumbi, Maranhão passou o último ano e meio a recolher depoimentos de 25 comunidades pesqueiras, que resistem no litoral do Brasil, e reuniu o resultado de sua pesquisa no livro "Gente do Mar".

Seu alvo foram as comunidades menos acessíveis por transporte --a maioria não se alcança de carro--, que preservam o modo de vida de pescar e de se alimentar de outrora. Os peixes e os frutos do mar assados na brasa (ou fritos, ou ensopados), as frutas nativas, o café socado no pilão adoçado com rapadura, os tubérculos plantados nos pequenos roçados.

A diminuição da pesca artesanal, massacrada pela pesca industrial e pelo turismo predatório, que levou ao desaparecimento gradativo das comunidades, motivou o historiador a fazer o mapeamento em toda a costa, com ênfase no litoral paulista.

Foi então que Maranhão topou com personagens como um pescador de Arraial do Cabo, no Rio, de 72 anos e "mais de 60 no mar". Ouviu comunidades que se queixam da redução da fauna marinha e outras articuladas a ponto de promoverem a fiscalização da atividade pesqueira e a criação de áreas prioritárias da pesca artesanal para salvaguardar as riquezas do mar.

Folha - Os pescadores artesanais vão desaparecer?
Ricardo Maranhão - É capaz. Por isso, a vida e o cotidiano dessas comunidades precisam ser retratados com urgência. Nelas não há uma classe média intelectualizada que se interesse em ir atrás de tradições e conservá-las.

Por que essa atividade está à míngua?
A pesca industrial e o turismo predatório são os dois grandes elementos que dificultam a pesca artesanal. Mas a pesca industrial em si não é um mal. O problema é que grandes barcos invadem lugares que deveriam ser preservados, como baías, devastam áreas que não são delimitadas para empresas, usam redes imensas e fechadas, que pegam animais que não deveriam ser pegos.

E a artesanal é sustentável?
Ao visitar essas comunidades, a gente vai descobrindo que não é fantasia dizer que esses pescadores respeitam o ambiente. Fui entender, por exemplo, o método do cerco, na região de Cananeia e Iguape (SP). O peixe entra no cerco de madeiras fincadas no chão, com redes internas, e não consegue sair. Quando o pescador vai catar os peixes, ele só pega o que é bom e o resto devolve ao mar.

A articulação entre pescadores é capaz de preservar as tradições?
Esse é o único jeito a longo prazo. Os pescadores, quando articulados, fazem com que as autoridades baixem regulamentos que dificultam a pesca predatória. Em São Francisco do Sul, em São Sebastião (SP), a comunidade fez com que a prefeitura os ajudasse a manter os barcos da pesca industrial distantes de uma área. Mas é uma luta.

E a fiscalização funciona?
É precária. Em Arraial do Cabo, no Rio, a fiscalização começa a funcionar porque os pescadores se articulam e, em alguns lugares, são os próprios fiscais. Quando você deixa uma costa imensa como a nossa por conta do poder central, não funciona.

Mas as comunidades mais isoladas têm essa consciência?
Depende do Estado. Os pescadores são mais articulados em Pernambuco, no Ceará. Relato no livro que, no Ceará, os pescadores enfrentaram uma empresa norte-americana e a própria Justiça de lá impediu a caça de lagostinhas. Os grandes barcos levavam embora as lagostas novinhas para Miami.

E o nosso governo?
Via pressão das colônias, há a possibilidade de ter uma iniciativa governamental, mas, infelizmente, o Ministério da Pesca não disse até hoje a que veio, né? A gente se ressente dessa falta de iniciativa governamental.

O que comeu nas expedições?
O prato azul marinho [um cozido de postas de peixe e banana-nanica], no litoral paulista, temperado com o coentro caiçara, que nós não conhecemos. Conheci também a sororoca [peixe da família do atum], em Paraty (RJ), e provei moquecas na Baía de Todos os Santos (BA).

E os roçados?
Havia pequenas lavouras de feijão, arroz, banana, cana para aguardente, algum milho e mandioca. Mas estão também desaparecendo por conta do avanço imobiliário.

O sertão vai virar mar ou o mar vai virar sertão?
É como disse o Joca, de Juqueí (SP), que não está no livro, mas trabalhou como caiçara de sertão, que é o cara da agricultura. De uns 15 anos para cá, ele veio para o litoral para ser pescador. Perguntamos: "O que é mais difícil, ser pescador ou lavrador?". Aí ele pensou, pensou e respondeu de uma maneira metafórica fantástica: "Olha, a terra é dura, mas o mar é mole. O mar é um perigo".


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