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Mania de garfo e faca

Para estudiosos, o fato de os chefs servirem comida de rua em ambiente de restaurante reforça hábito; donos negam formalidades

DANIELLE NAGASE DE SÃO PAULO

Italianos comem pizza com as mãos. Indianos comem biryani (tipo de risoto) com as mãos. Colombianos idem, pegam suas arepas (massa de farinha de milho) com a ponta dos dedos, sem cerimônia.

O hábito de comer sem talheres é ancestral, diz a historiadora Wanessa Asfora. "Desde a pré-história há registros de garfos, facas e colheres, mas eram utilizados no preparo dos alimentos."

O uso dos utensílios à mesa, porém, "é muito mais recente, reflexo das mudanças nas regras de etiqueta entre os séculos 16 e 19".

Implementadas na Europa, as normas de garfo e faca foram incorporadas paulatinamente em outros cantos do mundo --não ao mesmo tempo nem da mesma forma. Na Tailândia, por exemplo, o uso da faca é restrito à cozinha.

"Remete à espada, um instrumento de guerra, por isso não vai à mesa", explica a chef tailandesa Marina Pipatpan. Nem precisa: as comidas são servidas já cortadinhas. Em seu restaurante, o Tian, Marina segue a etiqueta --faca, só se o cliente pedir. "E tem quem peça."

Trata-se de uma questão cultural, já que tocar a comida com as mãos significa, mesmo que inconscientemente, "um retorno à barbárie, ao selvagem", diz Marcelo Flório, professor de antropologia da Anhembi Morumbi. A mania dos talheres seria "uma negação do passado indígena pela incorporação de hábitos europeus".

EMBARAÇO SOCIAL

Comer taco com as mãos não pode; já pastel, sim. Assim, o paulistano abre exceções e come algumas coisas com as mãos. "Mas são comidinhas rápidas, longe do contexto de um restaurante", afirma a antropóloga Paula Pinto e Silva, que pesquisa a história da culinária no país.

"Quando o paulistano sai para comer, ele abre uma exceção no cotidiano e deseja tudo aquilo que o consenso diz que lhe é de direito, incluindo o garfo e a faca."

Para Paula, existe, ainda, uma parcela de "culpa" desses restaurantes. "As casas que inauguram em São Paulo com a proposta de comer com as mãos apostam em comidas que, originalmente, são servidas na rua ou num ambiente bastante informal no país deles. Quando chegam aqui, oferecem os mesmos produtos no contexto de um restaurante. Às vezes não cola."

Benny Goldenberg, sócio do La Guapa, discorda, uma vez que "seu pequeno salão dispensa qualquer tipo de formalidade". Apesar disso, segundo os especialistas, comer dentro do salão de um restaurante incute uma série de regras de etiqueta e de normas de convívio social --não é a barraca do pastel na feira.

"Brasileiro tem neura com limpeza", diz Hugo Delgado, do La Sabrosa. Paola Carosella, do La Guapa, compartilha, ironicamente, a impressão: "Acho que as pessoas não mordem a empanada para não sujar os dentes".

No Ritz, tem quem coma os famosos bolinhos de arroz com garfo e faca, no prato, relata a gerente Andrea Sydow.

De acordo com Flório, a mudança de hábito numa cultura é um processo lento. "O paulistano provou estar aberto a conhecer novos sabores, mas não para praticar o ritual estrangeiro. Não ainda."


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