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Nina Horta

Nossas pequenas ignorâncias

Quem tem uma receita própria, jamais vista? É tão difícil inventar uma novidade....

NÃO HÁ quem tenha se criado com uma avó, uma tia, uma mãe, que se recusava a passar à frente suas receitas. Ou que passava errado.

Hoje em dia a maioria dos chefs, logo depois do impacto inicial de um ingrediente ou misturas, põe a boca no mundo e conta tudo.

O Rodrigo, do Mocotó, inventou os tais quadradinhos fritos de tapioca e um cliente me pediu para fazer igual numa festa. Claro que não gosto de pedir receitas a quem vive delas, mas sabendo da generosidade do rapaz tive coragem de pedir, jurei que não faria para mais ninguém a não ser naquela festa.

Ele, simpaticíssimo mandou por e-mail, mas havia um PS no final: "Já coloquei no Youtube".

Às vezes tenho um pequeno problema, que é quando vejo algum estagiário copiando alguma coisa, sem franqueza, sem perguntar, usando métodos da KGB, da CIA. Não, não é assim, tem que falar "eu gostaria de aprender" e pronto.

Pode ser grosseiro dizer isso, mas tenho certeza, juro que quem recusa suas receitas tem intestino preso, para evitar termos como fase anal. E, além de tudo, nessa história de receitas acontece que são simplesmente um "como fazer" numa certa época. Quando muito vão ter valor histórico. Já no tempo de nossas avós, a prescrição começava assim, "pegue um marreco na lagoa". Hoje, "cozinhe a vácuo a feijoada e use o método de esferificação..."

Já pensaram se a ciência escondesse as pesquisas debaixo da saia? Precisam dividir a sabedoria, senão morreríamos todos com as mezinhas de Adão e Eva.

Pobres de nós em nossas pequenas ignorâncias. A receita inédita é uma utopia. Variações sobre um mesmo tema, gordura a mais, gordura a menos, um país que entra na moda, outro que sai. De vez em quando, umas turbulências, quebra-se o paradigma, choque e volta ao remansoso lago. Quem tem uma receita própria, jamais vista? É tão difícil inventar uma novidade.... E muitas vezes temos certeza de que inventamos algo novo e rimos sozinhos. Essa invenção ninguém me tasca! E folheando livros de cozinha, vai-se ver que aquela galinha ensopada com pinhão e misturada com polpa de caju, servida na folha de bananeira que você certamente inventou já existia em outras plagas. Ínfimas variações. Pinhão por pinoli, galinha por pato, caju por banana. Variações sobre um mesmo tema.

E os livros de receitas? Tem de tudo. Mas são indicações, bengalas, ajudas. Há aquele que só sugere e te empurra para o fogão, como Elizabeth David, nos seus primeiros tempos. E o outro, de receitas precisas, que demorou anos para ser

escrito, padronizado, testado, leva em conta a altitude, o fogão, a panela, o ingrediente, os minutos, os segundos. Anuncia fracassos, sugere emendas. São ótimos, mas saem de moda mais depressa que o vento, pois mudam os fogões, os tempos, os ingredientes, vira curiosidade numa década.

Atenção, nós, cozinheiros de hoje. Sempre me lembro das palavras de um mestre-cuca afobado ao ver como a classe se levava a sério demais. "Pelo amor de Deus, não se esqueçam que não estamos discutindo o destino do mundo livre.

É só o kiwi, minha gente!"


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