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Marcos Augusto Gonçalves

Lisboa revisitada

Reencontro a bela capital portuguesa em dias alegres e ensolarados, mas ainda sob o signo da crise econômica

Estou aqui, na praça Luís de Camões, numa tarde luminosa de Lisboa, cidade bonita de pedras claras, fachadas de azulejos, boa mesa e noite agitada. É tempo de férias na Europa, e a ensolarada capital portuguesa atrai gente de todos os lugares. Brasileiros, ingleses, alemães, franceses, japoneses sobem e descem pelas ladeiras do centro histórico num burburinho que vai até a madrugada.

Longe do formigueiro babélico dos visitantes estrangeiros, a vida transcorre em outro ritmo, bem diferente do nosso cotidiano afobado de São Paulo, onde cabe um Portugal de gente.

"O Novo Mundo tem a energia própria dos adolescentes. As pessoas falam demasiado alto, caminham demasiado depressa. E têm pressa. Nós, europeus, temos uma relação distinta com o tempo. Não temos a noção permanente de que não temos tempo -e, nos bares da América ou nos botequins do Brasil, suspiramos pelos nossos cafés e pela nossa paisagem carregada de história e de passado", diz João Pereira Coutinho no "Diário de Notícias".

E é em ritmo europeu que vou descendo a pé até o Cais do Sodré para pegar o comboio e visitar Belém. Ali próximo aos Jerônimos, ergue-se a nova sede do Museu Nacional dos Coches, obra, ainda a ser inaugurada, do nosso arquiteto Paulo Mendes da Rocha. O Brasil está sempre a passar por aqui, com sua face ora moderna, ora ameaçadora, ora enigmática.

"Alguma coisa vai mal no Brasil, depois de um período de grande expansão e desenvolvimento, devido em grande parte aos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva", escreve Mário Soares num artigo de jornal. "Mas não creio que sejam da responsabilidade de Dilma Rousseff as dificuldades do Brasil atual", pondera a seguir. O que haverá então? "Os países têm dessas mudanças"

Certo é que por aqui, sob a superfície alegre dos dias de verão, a crise econômica continua a assustar. Pequenas melhorias no horizonte parecem ainda longe de afugentar o fantasma dessa grande depressão que Soares compara aos dias terríveis da Alemanha de Bismark, "quando Hitler surgiu e ninguém esqueceu os horrores da Grande Guerra".

O pacote de austeridade vai fulminando políticos sem apresentar os resultados prometidos. O desmanche do Estado de Bem-Estar segue seu curso e o desemprego assombra a juventude.

Nos cafés do grande auditório do Centro Cultural Belém um só funcionário faz o caixa, tira o expresso e serve no balcão. A fila da paciência. E é noite de plateia lotada: Devendra Banhart apresenta seu novo CD acompanhado de Rodrigo Amarante. "Obrigado por esta língua linda e boa de cantar que vocês nos deram", agradece o carioca barbudo, ex-Los Hermanos, que abre o show e segue na guitarra acompanhando o popstar americano.

Sim, a viagem é também pelo idioma, a nossa última flor do Lácio, inculta e bela, a um tempo esplendor e sepultura -como cantou Bilac. Minha pátria é minha língua, e aqui nossas fronteiras se expandem em palavras lembradas, esquecidas ou intuídas. Outras maneiras de falar, modos ao mesmo tempo estranhos e familiares de nomear as mesmas coisas. A casa de banho, a camisola do jogador de futebol, a bica na esplanada da Brasileira.

Lisboa revisitada é sempre uma comoção, um redescobrir a si mesmo, um perder-se em espelhos.


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