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5 horas soterrado

O eletricista Rubens Oliveira, 44, trabalhava em uma obra em São Mateus quando, 'num piscar de olhos', todo o prédio desabou sobre ele; dez pessoas morreram

LEANDRO MACHADO DE SÃO PAULO

Primeiro, a pancada na cabeça. Depois, a queda. Quando se deu conta, estava de bruços no chão duro. Duas lajes caídas a centímetros do seu corpo. O ar, já pouco, era empoeirado. O pé esquerdo doía. Naquele escuro, somente uma sensação: morte.

"Tive certeza que ia morrer", conta o mineiro Rubens Antônio de Oliveira, 44, eletricista. Ao seu lado, estava o colega pernambucano Silvio Rogério Rodrigues, 28, também eletricista.

Quase imóveis, os dois começaram a chorar desesperadamente. Gritaram. Mas quem poderia ouvi-los se estavam embaixo de uma montanha de concreto, ferro e isopor?

Procuraram uma saída. Não havia. O jeito era esperar. Mas esperar o quê? Quanto? Uma hora? Um dia? "Quanto tempo dura o ar?", pensou Rubens. "Minha sensação era de morte."

Evangélico, Rubens começou a rezar. Cantou hinos da igreja. Silvio não conhecia as letras. Rubens ensinou uma e cantaram juntos. "Falei para ele aceitar Jesus porque a gente não ia sair dali vivo", conta o eletricista.

"Eu ainda quero ver minha filha", disse Silvio, na hora. Sua mulher está grávida.

DO OUTRO LADO

Às 9h, Rafael de Oliveira, 20, acordou na Brasilândia, onde mora com a família e viu, pela TV, que uma obra havia desabado e soterrado operários na zona leste. Voltou a dormir. Nem pensou que seu pai, Rubens, estaria lá.

Rafael voltou a acordar às 13h. A TV estava ligada. "Vi um homem sendo resgatado. Achei muito parecido com meu pai, mas tinha cimento no rosto e desencanei".

O telefone então tocou. Sua mãe, Noêmia Matos, 40, atendeu e começou a chorar. Desde cedo ela desconfiava que o marido pudesse estar na obra, mas não conseguia confirmação.

"Ele ainda estava na maca e pediu para ligar para casa. Deu tudo certo", diz ela.

A dupla começou a trabalhar às 7h da última terça-feira. A tarefa era arrumar uma instalação elétrica.

PÉ TORTO

Por volta das 8h30, estavam em cima de um andaime a quatro metros de altura quando a obra na rua Mateo Bei, em São Mateus (zona leste de SP), caiu sobre eles.

As lajes desabaram, Rubens sentiu o concreto bater em sua cabeça. O capacete voou longe. "Caí daquela altura, mas nem percebi. Foi num piscar de olhos."

Até agora ele não entende o que ocorreu. Os dois foram parar embaixo de um ferro do andaime. O metal era o que impedia o concreto cair sobre seus corpos. Para eles, não sobravam nem 60 centímetros para se movimentar.

Ele olhou para baixo e viu seu pé esquerdo torto. Sentiu uma terrível dor.

Rubens tinha um pedaço de ferro no bolso que usava para cortar coisas. Com medo, começou a batê-lo no andaime. Dava três batidas e gritava. Por duas horas ninguém respondeu. Nada mais soava embaixo da obra.

Até que ouviu outra batida. E outra. O eletricista voltou a bater três vezes. Responderam: três batidas.

"Qual o seu nome?", perguntou uma voz, bem longe. "Rubens!", gritou. "Foi o grito mais forte da minha vida."

Começaram a conversar, bombeiros e eletricistas. Rubens orientou a equipe de buscas. "Estávamos a dez metros do fundo do terreno".

Cerca de três horas depois, às 13h, foram resgatados. Passaram quase cinco horas debaixo dos escombros.

Dez pessoas morreram e 26 se feriram.

FILHA

No hospital Santa Marcelina, em Itaquera, também na zona leste de São Paulo, os dois eletricistas se reencontraram num corredor.

Rubens quebrou o pé, colocou pinos e recebeu alta na sexta-feira.

Silvio quebrou um dedo, teve ferimentos leves no rosto e foi para casa no mesmo dia do acidente.

"Você vai ver sua filha", disse Rubens, no corredor.

"Sua oração deve ter funcionado", respondeu Silvio, caminhando para encontrar sua mulher, que aguardava no saguão do hospital.


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