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Francisco Daudt

Pais verdadeiros

Precisamos zelar para que a criança tenha quem se disponha a desempenhar as funções de pai e de mãe

"Quem são os pais verdadeiros dele?" Se a pergunta se aplica a seu cão, a resposta vem sem hesitar: "Somos nós!"

Mas nossa espécie tem a possibilidade de investimento parental genético (ou seja, a possibilidade de que os geradores do filhote invistam em sua criação, coisa que mal acontece com os cães).

Ao mesmo tempo, para humanos, é vital a criação por longo tempo, já que somos os animais que nascem mais despreparados para enfrentar a vida com autonomia.

A criança precisa que exerçam junto a ela uma função de mãe (uma espécie de continuação do ventre, provendo-lhe alimento, calor físico e afetivo e nutrição) e uma função de pai (a leitura atenta da criança, o respeito e o incentivo de suas crescentes capacidades de autonomia para viver no mundo por conta própria). Função de mãe atende necessidades; a de pai, capacidades.

Tais funções podem ser exercidas por quaisquer pessoas habilitadas para tanto, seja material, seja afetivamente. A habilitação afetiva tem que ser muito especial, já que, para o melhor desenvolvimento da criança, um tipo de amor raro é necessário: ele precisa ser desprovido de cobrança de reciprocidade. Algo próximo do amor incondicional.

Quando os pais genéticos desempenham esse papel, exercem uma louvável estratégia de reprodução bem-sucedida, que parece ser a "natural".

Mas essa "naturalidade" é enganosa --nem é a única. Em termos crus, a natureza providencia outras estratégias de reprodução, como o estupro, o rapto, o inseminador cafajeste que engravida e some, a gestante que emprenha por ignorância, por sedução, pelo calor do momento, ainda que seja totalmente despreparada para o exercício das funções de que a cria necessitará.

A natureza está longe de se interessar pela felicidade, que é anseio nosso. O que ela quer é o "crescei e multiplicai-vos", não importa como.

Quando pensamos no melhor interesse da criança, e nessa direção voltam-se as políticas públicas, apoiadas na legislação de nosso país, precisamos estar atentos em zelar para que ela tenha quem se disponha a desempenhar as funções de pai e de mãe.

Alguém, ou mais de uma pessoa, que tenha as condições materiais e afetivas, junto ao necessário desejo intenso desse amor incondicional, esse brutal investimento de tempo, zelo, preocupações e ocupações programados para décadas.

É nesse momento que a adoção entra. Na ausência de capacidade/vontade dos pais genéticos de exercer esse investimento monumental, eles reconhecem suas limitações e fazem o maior gesto de amor de que são capazes, desapegando-se da cria e passando o bastão da paternidade àqueles que provaram junto ao Estado sua capacitação paternal.

Ou o próprio Estado intervém, no melhor interesse da criança, reconhecendo que gerar um cidadão não significa ter sua propriedade, como se ele fosse um escravo de antes da abolição, e imporá que o bastão da paternidade seja passado aos que se provaram capazes de levá-lo.

E, a partir daí, não há dúvidas: esses são os verdadeiros pais.


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