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Rosely Sayão

Memória e tecnologia

O garoto disse que não sabia de cabeça nenhum número nem mesmo o seu: 'está tudo no meu celular'

Eu estava em um aeroporto esperando meu voo quando tive a oportunidade de testemunhar uma cena que me fez pensar bastante.

Um garoto de mais ou menos 10 anos andava para lá e para cá muito aflito, sem saber para onde ir, e sua expressão facial mostrava que ele estava prestes a cair no choro. Assim que eu percebi o fato, caminhei em sua direção para tentar ajudar, mas um casal chegou antes e pude ouvir a conversa deles.

O garoto estava no aeroporto acompanhado de um amigo e dos pais dele porque eles iriam viajar para uma praia. Ele hav ia saído de onde estava acomodado para comprar um lanche e não conseguiu mais encontrar o grupo.

Você já reparou, caro leitor, que shoppings, aeroportos, lojas de departamentos etc. são locais quase todos iguais, sem características próprias? Por isso é tão difícil para uma criança voltar ao mesmo lugar de onde saiu: porque como tudo é muito parecido, ela não consegue identificar onde estava.

Mas agora é que chega a parte mais interessante para refletirmos. O casal aquietou o garoto e disse que bastava o menino informar o número do telefone do amigo que eles ligariam para ele. O garoto, que tinha um celular e o deixara com o amigo, não sabia de memória nenhum número, nem o seu. "Está tudo no meu celular", justificou.

Claro que, com a ajuda do casal, não foi difícil o garoto se reunir com o seu grupo. O fato, porém, me deu o que pensar. Imediatamente lembrei-me que, quando criança, meus pais me fizeram decorar a seguinte frase: "Meu nome é Rosely Sayão, eu moro na Rua Jaceguai, 462, São Paulo, Capital". Eles achavam São Paulo uma cidade em que uma criança se perderia com muita facilidade e, cuidadosos, tentaram garantir que eu tivesse informações para que, caso eu me perdesse deles quando fora de casa, tivesse condições mínimas para encontrá-los.

Hoje, com tantos recursos tecnológicos, delegamos a esses aparelhos maravilhosos muito do serviço que fazíamos antes da existência deles. Ao pensar nisso, tentei me lembrar do número dos telefones de amigos próximos e de parentes e tudo o que consegui foi me lembrar de quatro ou cinco números, que nunca mudaram. Os outros estão memorizados pelos meus aparelhos.

Pensei em quantas coisas deixamos de ensinar às crianças, porque a tecnologia resolve isso por nós. Não mais ensinamos a elas, por exemplo, que é muito perigoso abrir a porta do carro em movimento, porque elas estão protegidas pelas travas; não as alertamos para os riscos de uma queda de local alto, porque elas estão protegidas pelas grades, e assim por diante. Não ensinamos mais as crianças a memorizar números de telefones, porque os aparelhos têm cada vez mais memória, justamente para guardar o que antes era responsabilidade da memória humana.

Mas, quando deixamos a cargo do funcionamento dos aparelhos essas e outras tarefas, não consideramos que a vida é feita de falhas --humanas e mecânicas-- de inesperados, de acontecimentos inusitados. E, que nesses momentos, o que conta é o conhecimento que a pessoa guardou consigo.

Em educação, os detalhes são importantes. Por isso, pode ser necessário considerar ajudar os mais novos a perceber a importância da memorização de informações que a família considera importante e do auto cuidado, que inclui as noções de risco e de auto proteção. Afinal, aparelhos falham.


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