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Cotidiano

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Empresa aérea impõe toque de recolher a funcionários

Na Qatar Airways, comissários de bordo têm de chegar em casa até as 4h

Regra vale mesmo para os dias de folga; tripulante brasileiro foi demitido e deportado do Catar por ter HIV

RICARDO GALLO DE SÃO PAULO

O anúncio de emprego seduz: possibilidade de jantar em Paris, almoço em Nova York, café da manhã em Montreal. Salário livre de impostos, moradia e transporte pagos --e a chance de viver no Oriente Médio como comissário de bordo em uma das empresas aéreas mais premiadas em todo o mundo, a Qatar Airways, do Catar.

É tudo verdade, mas não toda a verdade sobre a vida e o trabalho na Qatar, de acordo com tripulantes que, demitidos ou por vontade própria, voltaram ao Brasil nos últimos quatro anos.

A face pouco conhecida da empresa patrocinadora do time espanhol Barcelona inclui toque de recolher, com horário para chegar em casa mesmo no dia de folga; proibição de dormir fora quando se está em Doha; inspeções sem aviso nas moradias; e veto a visitas após as 22h.

Nos apartamentos, o controle se dá por câmeras e vigilantes 24 horas nos prédios onde vivem os comissários, na capital Doha. Para entrar, os funcionários usam cartões que registram os horários de entrada e saída --os prédios são separados para os homens e para as mulheres.

Quem quebra as normas é confrontado com imagens das câmeras. Aconteceu com Vinicius Barea, único a aceitar falar sem anonimato, que chegou 14 minutos atrasado, no seu dia de folga --às 3h44, em vez de 3h30, o horário limite na ocasião (hoje é às 4h).

DEMISSÃO

Ele estava com o namorado, que, por também estar de serviço no dia seguinte, infringiu outra regra: não ficou em casa 12 horas antes de um voo.

Ambos foram demitidos.

Para driblar a regra, há quem durma na casa de um conhecido e leve uma muda de roupa extra. Assim, chegam de manhã ao apartamento como se voltassem da academia, por exemplo.

O toque de recolher vale apenas para comissários de bordo; pilotos não precisam seguir essa obrigação --segundo a Qatar, eles são mais velhos e maduros.

Os funcionários dizem que nem sempre fica claro na contratação que as normas são rígidas --a Qatar nega.

Parte da rigidez se deve ao fato de o Catar, sede da Copa do Mundo de 2022, ser islâmico. O país nega vistos a portadores de HIV, proíbe consumo de álcool na maior parte dos lugares e de carne de porco, por exemplo.

DEPORTADO

Ainda em treinamento, Álvaro (os nomes são fictícios) foi levado ao escritório da empresa --havia algo errado com seu exame de sangue. De lá, sem receber qualquer explicação, foi para uma prisão reservada a deportados para tirar as digitais.

Mais tarde, soube que havia sido demitido e que teria de voltar ao Brasil no mesmo dia. Só descobriu a razão quando estava dentro do avião, informado por uma funcionária da Embaixada do Brasil em Doha: os exames constataram que ele era portador do vírus HIV --algo que ele disse já desconfiar.

"Foi uma coisa desumana. Fui para o aeroporto sem comer, sem tomar banho, só com a roupa do corpo. Tive a notícia do diagnóstico do HIV por telefone, sem psicólogo, sem ninguém para ajudar."

Álvaro hoje trabalha em uma empresa brasileira, que sabe da sua condição.

Cláudio foi suspenso porque discutiu com uma chefe de cabine em um voo. Ele teve a conta bancária congelada. Ainda no Catar, dependeu de amigos para se manter. Quando a suspensão terminou, foi demitido.

"Voltei ao Brasil 20 quilos mais magro, em depressão."

O congelamento da conta, dizem ex-funcionários da Qatar, é comum em casos de demissão. Quem sabe que vai sair da empresa saca o valor total da conta e passa a andar com dinheiro em espécie.

GRAVIDEZ

Gravidez e casamento são vetados na Qatar. Os recém-contratados se comprometem a não se casar por determinado período, nem engravidar.

Rosa não se incomodava com as normas da empresa, mas afirma ter saído porque queria se casar. Hoje, trabalha em uma companhia aérea brasileira. Outros ex-funcionários também não veem desvantagens. "É uma boa chance de viajar pelo mundo", diz Valéria.

A Qatar tem atualmente 49 comissários brasileiros, dos quais 12 em treinamento. O salário varia entre R$ 6.000 e R$ 12 mil. A remuneração inicial é compatível com o valor pago no Brasil, mas há a isenção de taxas como vantagem.

Sindicatos para comissários são proibidos no Catar. O tratamento dado à categoria faz a ITF (Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte, na sigla em inglês) planejar levar o caso da Qatar à Organização Internacional do Trabalho. Em 2013, a ITF se queixou à Icao (Organização Internacional de Aviação Civil).


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