Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Cotidiano

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Memórias perdidas

Inglês que trabalha na F-1 traz a São Paulo caderno dos anos 1920 para tentar descobrir passado desconhecido de sua família

ESTÊVÃO BERTONI DE SÃO PAULO

Viu-o uma ou duas vezes, durante a infância em Londres. É pouco, mas é tudo o que John Williams, 45, guardou do tio-avô Ted na memória.

O inglês, que é diretor de eventos da F-1, desembarcou na semana passada em São Paulo para trabalhar no GP Brasil, realizado no domingo.

Trouxe na bagagem o elo que lhe permitiria saber mais sobre o tio-avô, que veio viver no Brasil nos anos 1910 e que eventualmente voltava à Inglaterra para rever parentes: um pequeno caderno preto com cerca de 40 páginas.

Dois anos atrás, Williams achou o bloquinho nos pertences da mãe, morta há seis anos. Não decifrou as anotações, quase todas em português.

Com algumas páginas se soltando, o caderno é uma espécie de álbum de recordações, recheado de poemas e mensagens escritos entre 1921 e 1928 por amigos de Ted (a maioria mulheres) e desenhos datados de 1922, ano da Semana de Arte Moderna.

Há uma pintura do Jaraguá, de 1922 ("lembrança de R. Anderson"), e recados como "Sinto meu coração pezaroso [sic] ao escrever essas linhas, que serviram [sic] de lembrança a um passado feliz, que talvez não volte mais", da "colleguinha Alina".

Sabendo que viria ao país a trabalho, Williams achou que teria então a chance de fuçar no passado da família, se algum brasileiro o ajudasse. A Folha descobriu para ele um pouco da história de Ted -ou Edward Couch.

QUEM AFINAL FOI TED?

Nascido em 11 de junho de 1902, em Londres, chegou ao Brasil com apenas 16 anos, em 26 de setembro de 1918.

O registro mais antigo de seu nome na imprensa é de 1931, quando a "Folha da Noite" publicou um texto sobre os preparativos da Mappin Stores para o Carnaval.

Na grafia da época, a reportagem dizia: "Desenhamos e confeccionamos fantazias. (...) Attendemos a decoração de qualquer estylo. Para isso, o technico que é Edward Couch, o melhor de nossos vitrinistas, tem sempre maravilhas a mostrar, honrando as medalhas que em vários concursos conquistou".

Quando Ted chegou ao país, o Mappin, ou Casa Anglo-Brasileira S.A., existia havia cinco anos. Reportagens publicadas nos anos 1930 no "Correio Paulistano" indicam que, durante anos, Edward cuidou dos desfiles de moda da loja.

Em 1945, o "Diário da Noite" registrou que "de avião, seguiu para os EUA o senhor Edward Couch, chefe de confecções femininas da Mappin Stores, afim [sic] de tratar de interesses comerciais".

Nos anos 1950, é possível que ele tenha entrado com um processo trabalhista contra a empresa, como sugerem notas nos jornais da época.

A partir de 1962, outra fase começa em sua vida: passa a trabalhar no Hospital Samaritano. Numa de suas fichas de funcionário, consta que Ted era um senhor grisalho, de pele clara, olhos castanhos, barba e bigodes raspados e 1,63 m.

Solteiro e sem filhos, chegou ao final da vida como encarregado da portaria.

O Samaritano não conseguiu localizar nenhum ex-funcionário que tenha trabalhado na época de Edward.

Em 19 de outubro de 1975, quando o sobrinho-neto não havia feito nove anos, o hospital anunciou nesta Folha a morte de seu funcionário, ocorrida no dia anterior.

Ted está enterrado no cemitério do Redentor, em São Paulo, no mesmo jazigo de Ada A. Hoghton, enfermeira-chefe do Samaritano de 1915 a 1930.

Nada disso Williams sabia. Ontem, voltou a Londres após três dias no Rio. Levaria de volta o ainda indecifrado caderno, que no fundo desejava ter deixado no Brasil com algum museu ou historiador que considerasse o material útil para pesquisas.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página