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Análise

Curso de pedagogia segue preso a referências teóricas que não evoluíram, apesar de a escola ter mudado

HÉLIO SCHWARTSMAN COLUNISTA DA FOLHA

Já ouvi mais de uma vez da boca de "produtivistas"(os que enfatizam os resultados) que a melhor reforma educacional para o Brasil seria simplesmente fechar todos os cursos de pedagogia.

O chiste é forte e, claro, despropositado. Mas, como toda piada, captura, ainda que de forma distorcida, uma dimensão do problema.

Os cursos de pedagogia estão formando bons professores? E as licenciaturas? Qual a carga ideal de matérias teóricas e práticas?

Estariam essas áreas sendo vítimas de uma espécie de maldição da teoria, como sugerem os "produtivistas"?

A questão é capciosa. De um lado, a teoria é inescapável. Embora nem sempre nos demos conta, até as mais triviais observações que fazemos vêm carregadas, se não de uma ideologia com intenções político-partidárias, pelo menos de uma ontologia à qual nem a mais positiva das ciências consegue escapar.

O simples fato de eu dizer que o sol vai nascer amanhã, como demonstrou David Hume, já implica uma série de pressupostos teóricos, como o de que induções são uma forma válida de interpretar o mundo, para os quais não existem garantias lógicas.

Daí, entretanto, não decorre que devamos nos esbaldar livremente em teorias. Elas podem ser perigosas.

Uma das mais nocivas práticas médicas, a sangria, estava baseada na teoria dos humores e só perdurou por séculos e séculos porque, como todos confiavam no modelo, ninguém se preocupou em medir seus resultados.

O que distingue a ciência da teologia e dos delírios dos psicóticos é que a primeira é mantida sob as rédeas de uma realidade mensurável.

Para complicar um pouco mais as coisas, os que acreditam no poder das induções sabem que mesmo as melhores teorias, inclusive aquelas que proporcionam tecnologias confiáveis como aviões e aparelhos de GPS, estão pelo menos parcialmente erradas e serão num futuro não muito remoto substituídas por outros modelos. Esse pelo menos foi o destino de todas as teorias até aqui.

Isso significa que devemos desconfiar de disciplinas que coloquem muita ênfase em autores mais antigos, a exemplo do que fazem a psicanálise com Freud e certa pedagogia com Piaget.

Não se trata, é claro, de ignorar que as ciências tenham um passado nem de negar a importância desses pensadores pioneiros.

Mas, se após algumas décadas de desenvolvimento as referências não evoluem e mudam, é grande a probabilidade de que esse ramo do conhecimento fique encalacrado no passado. Preso a uma bolha teórica, torna-se imune ao presente, num comportamento que lembra mais o observado em templos do que em academias.

A constatação de que os pedagogos estão satisfeitos com o curso é mais um indício de que caíram na maldição da teoria. Uma ciência pujante é por definição inconformista, só em raros momentos entusiasmada.

O melhor antídoto contra esses riscos é manter os "reality checks", ou seja, o confronto com dados empíricos.

Seria um despautério fechar os cursos de pedagogia e uma temeridade abandonar toda reflexão teórica, mas os "produtivistas" estão certos em cobrar os educadores por seus resultados no ensino.

Se uma ciência instrumental como a pedagogia se revela incapaz de entregar o produto para o qual foi concebida, é porque ela está com um sério problema teórico, prático ou de ambos os tipos.


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