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Curvas e concreto compõem vocabulário

As colunas em forma de "V" e a equalização entre estruturas e arquitetura também foram algumas das características marcantes da atuação de Niemeyer ao longo de mais de sete décadas

DO CRÍTICO DA FOLHA

Em 1996, semanas antes da inauguração do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, Oscar Niemeyer foi visitar as obras e deparou-se com a rampa de acesso ao museu, uma de suas marcas importantes, atrapalhando a visão para o Pão de Açúcar.

"Na hora ele convenceu o prefeito a derrubar e construir outra, de forma que a visão do Rio fosse a melhor possível, o que foi a maior correria", relembra o colecionador João Sattamini, cuja coleção está no museu.

Com essa pequena história, revela-se, além do perfeccionismo do arquiteto, a busca pela integração entre arquitetura e seu contexto, ou seja, a criação de uma unidade, marca fundamental do estilo de Niemeyer.

Especialistas em arquitetura não gostam de falar que Niemeyer tenha um estilo, afinal, em mais de sete décadas de trabalho, a produção do arquiteto teve mudanças.

"Não se pode falar em um estilo, mas há elementos recorrentes, que caracterizam um vocabulário", diz Júlio Katinsky, arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

MARCAS

Esse vocabulário se revelara 46 anos antes, em uma de suas primeiras obras, a igreja de São Francisco, na Pampulha, em Belo Horizonte.

Nesse projeto, o arquiteto conseguiu criar uma espécie de manifesto de seu pensamento, revelando marcas que o acompanhariam na vida.

Mostra o uso do concreto em suas potencialidades máximas, a manifestação de curvas como elemento arquitetônico, a equalização entre estrutura e arquitetura, a forma de organização do espaço, criando uma harmonia entre construção e ambiente.

É o que leva a um equilíbrio de conjunto, unidade que caracteriza suas obras.

Na igreja da Pampulha, com suas cascas cilíndricas, revela-se outra característica fundamental: a criação de formas escultóricas, um reflexo da natureza brasileira.

"O Pão de Açúcar foi para Niemeyer o que a montanha Santa Vitória foi para Cézanne: imagem de permanência da natureza, uma presença formal e espiritual", escreve David Underwood em "Oscar Niemeyer e o Modernismo de Formas Livres no Brasil".

Também na Pampulha, principalmente na Casa de Baile e no Cassino, hoje um museu, há outra marca, aí em forma embrionária: o uso de colunas que integram a arquitetura ao seu entorno.

LE CORBUSIER

Esse uso não foi uma inovação de Niemeyer mas do franco-suíço Le Corbusier (1887-1965), que exerceu grande influência na arquitetura brasileira na década de 1930, com o projeto do Ministério da Educação e Saúde.

Obra de 1936, foi projetada por Lucio Costa e Niemeyer, com auxílio de Le Corbusier.

Entretanto, Niemeyer radicaliza o uso desse elemento, agregando ao suporte técnico uma composição estética.

"Já na Pampulha estão as marquises orgânicas. O uso das colunas vai ser original na construção do [antigo] Detran, no Ibirapuera, com a forma de "V" e depois ganha variedade em Brasília", diz o arquiteto Ricardo Ohtake, autor de "Oscar Niemeyer", da coleção Folha Explica, volume publicado em 2007.

A produção de Niemeyer tem por base um "caráter ideológico", segundo Katinsky.

"Ele sempre acreditou que a técnica poderia resolver os problemas da humanidade, por isso sempre esteve cercado dos engenheiros e calculistas mais sofisticados de seu tempo, o que acabou estendendo os limites de sua própria obra", afirma.

INEXEQUÍVEL

Um exemplo disso é a Universidade Mentouri, em Constantina, na Argélia.

Essa obra, construída em 1969 e apontada por Niemeyer, nos últimos anos de vida, como sua favorita, chegou a ser considerada inexequível por técnicos da França.

Mas foi "sem dificuldades, projetada e construída a partir do conhecimento e experiência dos brasileiros", nas palavras de José Carlos Süssekind, calculista dos principais projetos de Niemeyer nas últimas três décadas.

Seja vocabulário, gramática ou estilo, é impossível não se identificar uma construção de Niemeyer, quando se está de frente para uma, característica raramente alcançada por um arquiteto que projetou mais de 200 obras.

É o que o colocou, definitivamente, como uma das mais importantes figuras na história da arquitetura.


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