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Análise
Carnaval é negócio, mas escola de samba precisa manter a altivez
Agremiações que se mantiveram fiéis às tradições dos desfiles conseguiram fazer os melhores sambas do ano
No samba da União da Ilha do Governador aparecem Xangô, Iemanjá e Oxalá. Mas entre aspas. São citações de letras do homenageado, Vinicius de Moraes. A Portela fala em "mironga de jongueiro" e "tambor", tocando de leve no lado africano da formação de Madureira, o bairro que é tema de seu desfile.
Talvez não seja por acaso que os dois estão entre os três bons sambas deste ano - o outro é o da Unidos de Vila Isabel, pois craques como Martinho da Vila e Arlindo Cruz conseguiram fazer milagre com um enredo patrocinado por uma gigante do agronegócio.
São os casos que farão as escolas manter em 2013 algum laço com o melhor de sua história: a reverência ao candomblé; a originalidade e o respeito na abordagem de um tema; o vínculo com as comunidades que representam.
Como se entusiasmar cantando a Alemanha (Unidos da Tijuca), a Coreia do Sul (Inocentes de Belford Roxo), Cuiabá (Mangueira), o manga-larga marchador (Beija-Flor) e o Rock in Rio (Mocidade)?
Não há novidade em dizer que o Carnaval virou um grande negócio. Em aspectos como o da organização, pode ser bom. Mas a situação atingiu o patamar do acinte. As escolas estão de joelhos, sem a dignidade de um mestre-sala.
Agremiações como Mangueira e Inocentes de Belford Roxo escolheram seus enredos por causa dos patrocínios, mendigando recursos para concluir alegorias e fantasias. Se era para acabar assim, que mantivessem um fiapo de decoro, como a Portela -mas só na escolha do tema, porque os preparativos foram caóticos.
Em nome do "maior espetáculo da Terra", perdeu-se o controle. Os banqueiros de bicho despejaram muito dinheiro nos anos 1970 e 1980. Nas últimas décadas, foram presos, seu negócio perdeu força, e eles provaram que têm compromisso com o business, não com a tradição.
A TV Globo e o poder público já dão milhões suficientes para fazer apresentações mais do que dignas, mas quem está falando em dignidade? É preciso ostentar. Perdeu-se a linha e não se sabe como voltar a um lugar do labirinto em que dinheiro e inteligência convivam sem medo. O manga-larga marchador é o minotauro do Carnaval.
Não se trata de defender "samba de raiz" e outras utopias que encantam parte da classe média. Apenas de lembrar que a história das escolas é marcada pela altivez. A perda desta pode ser fatal.