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Emenda constitucional que autoriza participação de grupos de fora do país tramita há 5 anos, mas poderá ser votada daqui a dois meses

Os estrangeiros estão chegando

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Associated Press
O empresário Ted Turner, vice-presidente da Time Warner
Há cinco anos tramitando na Câmara dos Deputados, a proposta de emenda constitucional que autoriza a participação do capital estrangeiro na mídia pode finalmente ser votada daqui a dois meses, em novembro. A explicação dada pelo relator da emenda, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), é que a direção da Rede Globo aceitou o
formato final aprovado para a proposta. “Eu mesmo fui ao Rio e conversei com a direção da empresa. Hoje, há um consenso a respeito entre os proprietários de empresas de mídia”, diz o deputado.

Em resumo, o relatório de Henrique Alves propõe duas mudanças no artigo 222 da Constituição Federal:

1) autoriza pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e com sede no país a serem proprietárias de empresa jornalísticas e de radiodifusão de sons e imagens (hoje, só pessoas físicas têm esse tipo de autorização);

2) autoriza empresas estrangeiras a comprarem até 30% das ações com poder de voto na organizações de mídia no Brasil (hoje, só é permitido o capital nacional).

Aprovado por uma comissão em 1º de setembro, o texto espera votação no plenário da Câmara.

A votação ainda não ocorreu por dois motivos. O principal era a falta de consenso entre os empresários de mídia. Resolvido esse problema, já não havia mais quórum para aprovar a emenda constitucional na Câmara, por causa da proximidade das eleições municipais _os parlamentares passaram a ficar nas suas cidades para acompanhar as campanhas de seus aliados.

Resistência da Globo
O presidente Fernando Henrique Cardoso se envolveu diretamente nas negociações com as empresas de mídia. Em 16 de maio passado, FHC participou de um jantar na residência do presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP).

Estavam presentes no jantar representantes dos principais grupos de mídia do Brasil, exceto da Rede Globo.

“Eu disse ao presidente que se tratava de emenda constitucional de interesse do país. Mas que só seria aprovada se a base do governo votasse unida”, declara Michel Temer. Depois desse jantar, FHC teve um encontro apenas com representantes da Rede Globo. Finalmente, chegou-se a um consenso.

A maior preocupação da direção da Rede Globo, segundo Michel Temer, era que a produção de conteúdo das emissoras brasileiras se desnacionalizasse

Aos poucos, entretanto, a Rede Globo viu que estava se isolando. A maioria dos empresários de mídia, com uma ou outra divergência, apóia a entrada do capital estrangeiro.

Para não se isolar, a Globo deu sinal verde para a aprovação da emenda. A participação de FHC foi importante para esse consenso.

Procurado pela Folha, Evandro Guimarães, vice-presidente de Relações Institucionais da Globo, negou que a emissora seja responsável pelo atraso na votação. Segundo ele, a globo aceita o capital estrangeiro, desde que minotariamente: 30% do capital total de empresas brasileiras.

"O conceito de proteção da soberania nacional em empresas de mídia é praticado por quase todos os países desenvolvidos. Consideramos fundamental preservar os recursos humanos e culturais da produçao audiovisual brasileira, o idoma nacional e a diversidade cultural existente em nosso país, disse.

Guimarães disse que participou das audiências públicas sobre o tema e que a Globo não foi ao jantar na casa de Temer por não ter sido convidada.


A falta de quórum
Vencida a oposição do principal grupo de mídia brasileiro, o problema passou a ser o quórum para aprovação da emenda constitucional. Na Câmara (total de 513 deputados) são necessários três quintos dos parlamentares (308 votos) para aprovar uma alteração na Constituição.

A oposição tem cerca de 120 votos. Há outros 20 deputados que são de partidos governistas, mas sempre acabam votando contra o Palácio do Planalto.

“Por isso é necessário entre 460 a 470 deputados presentes para votarmos com tranquilidade”, diz Michel Temer.

“Isso deve acontecer depois do segundo turno das eleições municipais. Em novembro, mantido o atual cenário, com o consenso já obtido, poderemos votar a emenda”, afirma o ministro Aloysio Nunes Ferreira, da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Mesmo com essa previsão otimista, a emenda seria votada na Câmara apenas em primeiro turno neste ano. Modificações constitucionais têm de ser aprovadas duas vezes na Câmara e duas vezes no Senado.

A votação em segundo turno na Câmara ficaria para o início do ano que vem. Depois, a emenda iria para o Senado.

Se os senadores não a modificarem, aceitando-a como vier da Câmara, o texto poderia ser promulgado até a metade do ano 2001. Esse é o cenário mais otimista.


Resistência da oposição
Se depender dos partidos de oposição, entretanto, vai demorar um pouco mais para que seja aprovada a emenda do capital estrangeiro. O líder do PT na Câmara, deputado Aloizio Mercadante (SP), tem mantido encontros com representantes de várias empresas de mídia.

A proposta do PT e de outros partidos de oposição é incorporar ao texto da emenda constitucional a criação de uma agência reguladora independente para o setor de mídia.

Hoje, a regulação do setor cabe ao Ministério das Comunicações. “É importante que seja criada a agência para evitar abusos no futuro. A oportunidade é agora, pois pode estar sendo cometido um grande erro aprovando a emenda como está no relatório defendido pelo governo”, diz Mercadante.

Os pontos que o líder do PT considera mais problemáticos são os seguintes:

1) propriedade cruzada e múltipla: uma única empresa estrangeira poderá ter 30% de participação no capital votante de diversas TVs e rádios. “A Televisa mexicana poderia comprar 30% do SBT e de uma outra rede. Ao entrar com o capital, poderia impor como contrapartida que essas emissoras retransmitam programação mexicana. Causaria desemprego no Brasil e promoveria uma invasão de outra cultura no país”, declara Mercadante;

2) proprietário anônimo: com a possibilidade de pessoas jurídicas controlarem TVs, rádios e jornais, “abre-se a janela para que um empresário fique no anonimato, abrindo uma empresa num paraíso fiscal. Um ‘laranja’ ficaria respondendo no Brasil. Isso é ruim para a natureza do negócio”, afirma o líder do PT.

Para o relator da emenda, Henrique Alves, as propostas do PT “são de forma, não de conteúdo”.

Ele acha possível tentar algum tipo de acordo. O presidente da Câmara é mais cético. “Acho difícil. Uma agência reguladora apenas burocratizaria mais o setor. Se tivermos quórum em novembro, acho melhor votar a emenda do jeito que está”, diz Michel Temer.


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