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Um louco do bando - Antonio Prata

Romarinho e o Texugo

Missu shi-Ro está em dívida com o jogador, pois alterna intensas doses de cheio e longos marasmos de vazio

Imagino que estejam falando aí no Brasil que o Corinthians passou um sufoco diante do Al Ahly, que os egípcios dominaram o segundo tempo e que jogando assim dificilmente seremos campeões. Ora, tal pensamento só pode brotar da mente infantil de um ocidental, de alguém que não foi iluminado, como eu, dois dias atrás, pela teoria das compensações do zen xintoísmo, também conhecida como Missu shi-Ro.

Segundo a lenda da origem de Missu shi-Ro, que não contarei por falta de espaço, mas que envolve um texugo, uma rã e o espírito do orvalho, o universo funciona como a pá de um moinho d'água: tudo o que enche precisa vazar, tudo que vaza precisa encher, num movimento pendular, infinito e gracioso. Quando o cheio fica cheio demais, o universo se zanga, castigando o infrator com longos vazios. Quando o vazio se prolonga, por outro lado, o universo se encarrega de preenche-lo.

Depois de ler a respeito desta doutrina, revi toda a minha vida sob outro ângulo. Inclusive a derrota pro São Paulo, semana passada. O que foram aqueles 3 a 1 senão uma providencial manifestação de Missu shi-Ro? Ora, os três piparotes no ego serviram como um necessário movimento de purgação de nossa vaidade: tivéssemos entrado no Mundial de salto alto, ainda limpando as remelas da ressaca da Libertadores, teríamos beijado a lona -a lona de Cumbica. Afinal, os egípcios não estavam para brincadeira: pouco a pouco foram tomando conta do jogo como se estivessem na praça Tahir e nós fôssemos uns Mubaraks de araque. Mas, como havíamos tido nossa cota de vazio naqueles tristes 90 minutos no Pacaembu, nos coube a plenitude da vitória.

Vitória chocha, dirá o ignaro ocidental, ainda sem entender a beleza de Missu shi-Ro. Pois se tivéssemos metido cinco no Al Ahly, chegaríamos transbordantes diante do Chelsea ou do Monterrey e, para que as forças do cosmos se reequilibrassem, teríamos que entornar o caldo, perdendo a final. Mas o princípio de Missu shi-Ro interveio, fazendo com que nossa curva, do meio pro fim do jogo, fosse "de esvaziamento", de modo que o Corinthians e o universo, na última partida, se encontrarão num saudável 0 a 0. É nesses raros momentos de equilíbrio, chamados Sapporo, que entra o livre arbítrio -e a força da torcida, e os chutões pra frente, e a estrela de Romarinho. Taí, aliás, um jogador com quem Missu shi-Ro está em dívida: adora alternar intensas doses de cheio e longos marasmos de vazio. Tô sentindo que é chegada a hora de uma nova dose -e quem o diz não é um corintiano, mas um neo zen xintoísta, com a bênção do texugo, da rã, do espírito do orvalho e de mais de 2.000 anos de história.


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