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Vazio

Pais e amigos do garoto morto em Oruro relembram sua euforia por ver pela 1ª vez o campeão mundial, lamentam a perda e esperam justiça

EDUARDO OHATA ENVIADO ESPECIAL A COCHABAMBA

Filho de um casal de professores de classe média baixa da Bolívia, Limbert e Carola, que trabalham entre 14 e 16 horas por dia e cujos salários somados não atingem R$ 800, Kevin Espada, 14, vivenciou dias de euforia antes do jogo entre San José e Corinthians, em Oruro.

O adolescente, conta o seu melhor amigo, Emanuel, festejava o fato de ir pela primeira vez assistir ao vivo a seu time, o San José. E de ver o último campeão mundial.

"Eu não teria condições financeiras para levá-lo para assistir à Copa. O que seria a segunda melhor opção? Deixá-lo assistir ao Corinthians", diz Limbert, que recebeu a Folha em sua casa anteontem. "Por que não? Pelo que era, ele merecia."

Era Kevin quem cuidava dos irmãos -Jhojan Cristhian, 9, Alexandra, 8, e Matías, 2- enquanto os pais trabalhavam. Ele os ensinou a dançar e os ajudava nas lições de casa. O caçula o chamava de "papa" (papai).

"Os pais trabalham o dia todo para oferecer-lhes uma vida melhor, por isso ele ajudava", afirma Mary Encinas, ex-professora do garoto, aluno do terceiro ano do secundário no colégio particular Edmundo Bojanowski, onde os pais lecionam história.

"Havia dias em que eu chegava e a casa estava arrumada. Houve uma vez em que ele disse que eu estava trabalhando muito, pediu que lhe ensinasse a fazer talharim e fez o almoço", conta Carola.

O pai, reconhecendo o sacrifício do filho, premiava-o como podia. De acordo com parentes, ele deixava de comprar roupas para si para Kevin se vestir melhor.

"Às vezes, percebia que ele ficava chateado quando via os outros com algo que não podia ter. Mas não pedia. Tem coisas que até meus filhos menores reclamavam, como um quarto próprio para terem mais privacidade. Ele nunca", afirma Limbert.

Os presentes surgiam à medida que o orçamento permitia, e o pouco dinheiro que recebia, Kevin dividia com os irmãos para que comprassem doces. De passeios como a exposição sobre dinossauros, que tinha entradas a R$ 16, o garoto só participava quando aconteciam as promoções de final de temporada, em que um ingresso dava o direito a levar um acompanhante.

Kevin tirava boas notas, mas não sacrificava a vida social. Era o líder da classe, praticava esportes -futebol (era goleiro), natação, basquete e kung fu-, tocava zamponha (espécie de flauta) e guitarra e era mestre de cerimônia em eventos no colégio.

Ele tinha planos para a segunda-feira seguinte à tragédia: havia feito uma música para Eliana, colega de classe por quem estava apaixonado.

Já havia mostrado a canção para a amiga July Zambrano, que contou para Eliana. "Não deu tempo...", lamentou a musa do garoto.

A mãe de Kevin mostra com orgulho os desenhos e as maquetes que ele fazia com materiais reciclados. "Esperava muito desse [filho]", comenta o pai.

Tudo mudou na noite do último dia 20. Limbert recebeu um telefonema do primo que acompanhou o adolescente à partida em Oruro.

Foi ele quem contou ao tio que seu filho havia morrido, atingido por um sinalizador. Limbert caiu no chão.

Foi Ludvi, tio de Kevin, quem conduziu de carro o pai e a mãe do garoto a Oruro.

"Durante o trajeto, pensava que podia ser um engano, que não seria ele. Ou que fosse só um machucado no olho...", relembra Limbert.

Quando a TV confirmou sua morte, na casa, todos choraram. "Burro, burro. Por que você teve que ir?", repetia Jhojan, como se desse uma bronca no irmão mais velho.

Ao chegarem a Oruro, de madrugada, pai, mãe e tio não puderam entrar no necrotério para reconhecer o corpo. A polícia o havia fechado. Mas ouviram que poderiam ver Kevin às 8h, antes de ele ser levado para a autópsia. Viram o corpo com o projétil encaixado onde era seu olho, o lado direito do rosto bastante machucado.

Os pais não acreditavam. Tentaram, em vão, aquecer o corpo do filho. Abraçavam-no, sem se importar com o sangue. O mesmo sangue que foram ao estádio limpar -não queriam que a tragédia fosse exposta na mídia.

"Não sei se é uma batalha que vou ganhar", diz Limbert. "O rapaz apresentado como culpado [pela Gaviões]... Não parece algo ensaiado?"

Carola lamenta: "Eles roubaram o futuro de Kevin".


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