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Crítica - Romance

O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo.

Vencedor de Pulitzer dá voz ao inconsciente de todo um povo

"Jun Do", de Adam Johnson, mimetiza as patologias da Coreia do Norte

JOCA REINERS TERRON ESPECIAL PARA A FOLHA

Diretriz da ficção da modernidade, a máxima "eu é um outro", de Rimbaud, tem sido extrapolada por autores recentes. Dave Eggers, por exemplo, especializou-se em conceder voz aos desfavorecidos.

Qual ventríloquo, Eggers falou pelo jovem sudanês Achak Deng em "O Que É o Quê" e pelo sírio que dá título a "Zeitoun", uma vítima do furacão Katrina.

Adam Johnson, porém, exacerbou tal premissa: em "Jun Do", romance ganhador do Prêmio Pulitzer de ficção de 2013, anunciado nesta semana, o escritor de San Francisco dá voz ao inconsciente de todo um povo, mimetizando literariamente as patologias nacionais da Coreia do Norte.

O destaque dado pela premiação é pontual, com a República Democrática Popular da Coreia dividindo manchetes com as explosões ocorridas em Boston.

Fato é que a saga de Jun Do, ou o filho do chefe do orfanato, reproduz o funcionamento da máquina fabular que movimenta (ou, mais apropriadamente, congela) a capacidade de pensar e sentir de uma população cuja realidade é manipulada há mais de 50 anos, desde a chegada de Kim Il-sung (1912-1994) ao poder, em 1948.

A ideologia "juche" formulada pelo "Querido Líder", que prega a autossuficiência do país a todo custo, é provavelmente a obra literária de maior êxito em afetar planos da existência desde o "O Livro Vermelho" escrito por Mao Tsé-Tung, e a célebre transmissão radiofônica feita por Orson Welles de "A Guerra dos Mundos", de H.G. Wells, em 1938.

A rádio oficial norte-coreana, aliás, transmitida através de alto-falantes distribuídos por todos os lugares, está entre os hábeis recursos narrativos utilizados por Johnson na obra.

Com sua voz ubíqua, a locução procura "abafar" a consciência dos cidadãos, promovendo a difusão dos bons sentimentos e da produtividade entre a massa operária através de capítulos que relatam episódios edulcorados da vida do "Querido Líder" e seus heróis, camarada Buc, comandante Ga e Sun Moon, "a maior atriz do mundo".

EVOLUÇÃO

Jun Do, entretanto, um azougue criado em condições adversas (era maltratado pelo pai, que temia ser penalizado por favorecimento), torna-se soldado especializado em lutar na escuridão, depois sequestrador de oponentes e de mulheres japonesas para satisfazer líderes. Premiado com aulas de inglês, transita com nova identidade por uma sociedade cuja maior característica é a intransitabilidade.

Assim, sai do subterrâneo e da rotina de comer serragem (como seus concidadãos nas temporadas de miséria) e chega à capital Pyongyang.

Sua evolução sugere a inversão do lema moderno de Rimbaud, pois, nascido da fábula mentirosa do credo ideológico "juche" que iguala a todos, renasce em sua integral subjetividade.

Nota dissonante à formidável obra de Johnson, contudo, é a edição brasileira, repleta de erros de revisão e totalmente equivocada.


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