Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Mulheres do Pompidou chegam ao Rio

Obras de Frida Kahlo, Nan Goldin, Anna Maria Maiolino e outras artistas do museu parisiense estão no CCBB

Brasil recebe mostra só de mulheres realizada há quatro anos, quando Pompidou repensou sua política de exposições

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Em 1929, Virginia Woolf publicou o ensaio "Um Quarto Só para Si", em que defendia a necessidade de um espaço de criação só da mulher.

Sete décadas depois, o Centre Georges Pompidou, em Paris, parece ter se lembrado da mensagem e retirou de um andar todas as obras feitas por homens, deixando no lugar uma narrativa só feminina --em alguns casos feminista--, da abstração de Sonia Delaunay às performances agressivas de Valie Export e Marina Abramovic.

"Foi um gesto muito forte", diz Cecile Debray, uma das curadoras da mostra no Pompidou, que agora traz 115 dessas obras ao Centro Cultural Banco do Brasil do Rio.

"Vimos que havia uma resistência do Pompidou em mostrar as artistas mulheres", lembra a curadora Emma Lavigne, também no projeto. "Esperamos que a Louise Bourgeois tivesse mais de 90 anos para fazer uma mostra dela. O mundo da arte, ao contrário da política, ainda é muito desequilibrado."

Na tentativa de sanar essa desigualdade, a mostra busca "não só falar de arte e feminismo", nas palavras de Lavigne, mas "contar a história da arte moderna e contemporânea pelos olhos da mulher, um projeto mais global".

Essa mulher pode ser uma Marina Abramovic que se descabela aos gritos, bradando que a arte deve ser bela, num vídeo dos anos 1970.

Ou o pôster das Guerrilla Girls, que lista estatísticas embaraçosas do Metropolitan em Nova York, onde 5% dos artistas no acervo são mulheres e 85% das mulheres retratadas nas telas estão nuas.

Vestidas ou não, a mostra no CCBB quer despir a produção visual dessas mulheres. Se há algum poder em separar os sexos num momento histórico em que tudo parece ter se misturado para sempre, é lembrar que visões de mundo podem estar atreladas ao gênero ou cerceadas por ele.

Frida Kahlo, que tem um autorretrato na mostra, deixa claro que não foi fiel aos mandamentos do surrealismo, ainda que tenha conhecido André Breton, criador da vanguarda. "O surrealismo era a sua realidade", diz Lavigne. "Ela foi além do mundo estruturado por Breton."

Mesmo a abstração surge transfigurada nas mãos das mulheres. Louise Bourgeois injeta uma dimensão orgânica, evocando os contornos do corpo feminino, numa série de desenhos na mostra.

Lygia Clark, nas chapas metálicas articuladas de sua escultura "Bicho", também estabelece uma relação carnal com o corpo --a visão da sexualidade travestida de certa frieza abstrata e industrial.

HORIZONTE SANGRENTO

Mas qualquer traço maquinal desaparece nos vídeos da exposição. Mulheres como Letícia Parente e Sigalit Landau dão o sangue em performances carregadas de dor.

Não por acaso, elas se expressam em vídeo, o meio barato e caseiro de se fazer arte nos anos 1960, início da era de emancipação feminina que a mostra tenta analisar.

Enquanto Parente, brasileira que entrou agora para o acervo do Pompidou, costura na sola do pé a frase "made in Brazil", Landau, israelense, vai à praia em Tel Aviv e rebola com um bambolê de arame farpado, cortando a pele em alusão a ameaças que rodeiam seu país e criando um horizonte sangrento diante do mar Mediterrâneo.

Da costura à cozinha, Anna Maria Maiolino também desvia o vocabulário do universo doméstico levando ovos às ruas. Numa série de fotografias, a artista tratou a redemocratização do Brasil nos anos 1980 como a situação delicada de pisar em ovos --uma nova era ainda frágil.

Sophie Calle, de forma menos direta, ironiza o papel da mulher na performance em que trabalhou como camareira de um hotel em Veneza para depois escancarar em fotografias a intimidade e objetos de hóspedes anônimos.

Na contramão de Calle, Nan Goldin descarta o anonimato e retrata amigos e amantes como espécie de voyeur no centro da ação --uma reflexão sobre o corpo e seu comportamento num diário visual íntimo e explícito, que também não deixa de ter grande ressonância política.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página