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Crítica

Autor adota o inglês como instrumento de expressão

JOCA REINERS TERRON ESPECIAL PARA A FOLHA

A obra de Aleksandar Hemon é o testemunho de um escritor que escapou da margem. Com "O Livro das Minhas Vidas" não é diferente. Em termos formais, encontra-se no extremo oposto ao ocupado por Witold Gombrowicz, embora existam coincidências biográficas na maneira que se deu o exílio forçado de ambos, presos em países estrangeiros devido a acidentes da história.

A partir de 1939, o polonês Gombrowicz permaneceu na Argentina por 24 anos, ao ter sua viagem de retorno à Polônia suspensa pela invasão de Hitler. Deu-se o mesmo com Hemon em 1992, ao ser flagrado em viagem aos EUA pela guerra que irrompeu na Bósnia.

Contudo, Gombrowicz fugiu do limiar entre Ocidente e Oriente representado pela Polônia, caindo no terceiro mundo. Pior: permaneceu exilado de sua própria língua, pois nunca adotou literariamente o espanhol. O fatal drible de Hemon nas circunstâncias está aí, em sua adoção da língua inglesa como instrumento de expressão do qual extrai especial brilhantismo estilístico.

Gombrowicz nunca esteve exilado por completo, sobreviveu em estado de suspensão. Hemon, entretanto, teve de se desfazer de tudo, exceto das lembranças.

Daí vem o fato de seus relatos --"O Livro das Minhas Vidas" é apenas mais um que no futuro poderá ser reunido a um livrão que inclua todos-- serem marcados pelo estranhamento advindo daquilo que foi inapelavelmente perdido, a juventude em Sarajevo, as idiossincrasias familiares particularizadas pelo humor e por outras marcas essenciais da cultura, como a apologia do borscht (uma sopa de legumes com carne marcada pela cor da beterraba) dos Hemon, um prato indefinível por ser irrepetível (era feito com o que havia de disponível, portanto nunca era igual --e não voltará a existir).

Esse relato, intitulado "Jantar em Família", é marcado por certa graça melancólica que tira qualquer apetite.

Mas nada se compara à aproximação progressiva entre o passado bósnio e a presente intimidade norte-americana que os textos de "O Livro das Minhas Vidas" promove, culminando na crônica estarrecedora de "O Aquário".

Publicada anteriormente na "The New Yorker", narra diagnóstico e remoção de um tumor cerebral de Isabel, filha mais nova de Hemon e Teri, sua mulher, quando tinha 9 meses de idade. O episódio (narrado sem sentimentalismo) traduz com profundidade o que é a vida, uma enorme sequência de perdas que implode no vazio. Ainda bem que, enquanto isso, é possível imaginar e lembrar.


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