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Crítica poesia

Livro expõe a notável vitalidade de Lêdo Ivo

'O Aluno Relapso', publicado em 1991, e 'Mormaço', um de seus derradeiros volumes de poesia ganham edições

FELIPE FORTUNA ESPECIAL PARA A FOLHA

Virtuoso do verso --do verso metrificado e rimado--, Lêdo Ivo (1924-2012) não esconde seu incômodo com a modernidade. Dotado de virulência verbal, o escritor exibe numerosas contradições na sua produção de poeta e de crítico.

Em "O Aluno Relapso", livro de 1991, agora relançado, confessa possuir "desde a infância, o sentimento de minha diversidade."

No mesmo texto, explica que "o poeta deve evitar a facilidade da Beleza e procurar cultivar a feiura das coisas e dos seres, a deformidade, a dissonância --e, de modo mais amplo, dar espaço à estética da fealdade que desde a adolescência tanto me atrai em Rimbaud (...)".

O exame da sua poesia demonstra, contudo, que nem o estreante de "As Imaginações" (1944) nem o porta-voz de "Acontecimento do Soneto" (1948) conseguiram cumprir aquele propósito: pois persiste em seus poemas uma imperiosa concepção do eu-lírico que conforma o poeta a um anacronismo.

Paradoxalmente, poetas de gerações anteriores conseguiram praticar a "estética da fealdade" que acabou sendo apenas uma ambição para Lêdo Ivo: Mário de Andrade já escrevera "Tristura" ("Os vícios viciaram-me na bajulação sem sacrifícios... / Minha alma corcunda como a avenida São João..."); Manuel Bandeira publicara "Vulgívaga" ("Aos velhos dou o meu engulho. / Aos férvidos, o que os esfrie.").

Carlos Drummond de Andrade, com "Dentaduras Duplas", e mesmo o primeiro Vinicius de Moraes, com "Balada Feroz", também já haviam cortejado o feio, o impuro e o grotesco.

HETERÔNIMOS

Existe uma incompreensão dos assuntos modernos em Lêdo Ivo que o impede, por exemplo, de observar analiticamente a questão dos heterônimos de Fernando Pessoa.

Foi o poeta de Lisboa, e não o de Maceió, que radicalizou a pretendida diversidade --mas, para o poeta brasileiro, "os heterônimos de Fernando Pessoa não passam de pseudônimos, nomes de plume de um mesmo e grandioso poeta. (...) Não são realidades existenciais. São produções da linguagem, e não almas."

Em seguida, reclama quando críticos e biógrafos não reconhecem o pioneirismo do espanhol Antonio Machado, "com os seus lúcidos heterônimos".

Infelizmente, falta tanto à prosa de "O Aluno Relapso" quanto à de "Afastem-se das Hélices" uma percepção do autor sobre as fragilidades do Modernismo, bem como uma defesa do posicionamento frontal e combativo da "caluniada Geração de 45" à qual pertenceu, caracterizada "pelo seu formalismo e cerebralismo".

Na ausência desses temas, restam apenas, aqui e ali, ataques inconsistentes.

"Mormaço", um dos livros de poemas derradeiros de Lêdo Ivo, não escapa às contradições de um projeto literário enfim conservador: os sonetos reaparecem, sem maiores surpresas, e muitas vezes insistem nos oximoros de um ideal clássico:

"Quando eu deixar de ser, nada serei. / Nem mesmo serei pó nem serei nada. (...) / Sou incompleto como a eternidade. / Cada dia que passa se acrescenta / ao tempo em que me somo, deduzido".

Poemas como "Além da Noite Escura" e "A Tentativa Inútil", entre tantos outros, demonstram que o poeta permanece alheio à "estética da fealdade" que tanto afirmou interessar-lhe.

E há também poemas bem realizados nos quais a índole aguerrida do poeta surge de modo pleno, com aquela "magia verbal" já observada por mais de um crítico.

É o que ocorre em "O Barco Branco": "Penso um barco branco atravessando o mar./ Vejo um barco branco atravessando o mar./ Sonho um barco branco atravessando o mar./Sinto um barco branco no meu pensamento./ Penso o meu pensamento sobre um barco branco./ Sou um barco branco e atravesso o mar";

Imagine-se toda a poesia de Lêdo Ivo atravessada por essas imprevistas possibilidades sensoriais e seus jogos combinatórios --capazes de transformar e expandir o sujeito.

Por si só, seria definida outra construção, outro ângulo para a realização dos poemas. Mas um crítico não deve exigir o que a obra não traz: e "Mormaço" expõe o mesmo Lêdo Ivo, com sua notável vitalidade acompanhada de repetição.

MORMAÇO
AUTOR Lêdo Ivo
EDITORA Contracapa
QUANTO R$ 68 (224 págs.)
AVALIAÇÃO bom

O ALUNO RELAPSO / AFASTEM-SE DAS HÉLICES
AUTOR Lêdo Ivo
EDITORA Apicuri
QUANTO R$ 35 (152 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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