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Mergulho no sertão

Grupo faz ensaios abertos em cidades do Nordeste que não têm teatro para desenvolver espetáculo a partir da reação do público e da convivência com o sertanejo

GUSTAVO FIORATTI DE SÃO PAULO

A educadora social Mineia Costa, 36, debutou como espectadora de teatro no início de julho. Mas não foi na plateia de um espetáculo pronto, com projetos afinados de iluminação e figurino.

Moradora de Iracema, cidade cearense com quase 14 mil habitantes, ela assistiu a um ensaio aberto de "O Duelo", criação resultante de uma parceria entre a Mundana Companhia de Teatro, de São Paulo, e a atriz Camila Pitanga. A montagem tem estreia marcada para o próximo dia 2, em Fortaleza, e deve cumprir temporada em São Paulo em outubro, no Centro Cultura São Paulo.

As três sessões em Iracema não foram realizadas sobre palco italiano. Na verdade, não há teatros na cidade, e o ensaio ocupou um ginásio do Iracema Atlético Clube, um prédio hoje em desuso.

Iracema esteve na rota de três municípios cearenses que a produção de "O Duelo", com direção de Georgette Fadel, percorreu durante seis semanas.

A intenção era desenvolver um espetáculo espelhando-se na reação e na convivência com o sertanejo. "Escolhemos cidades pequenas e que não tinham teatro", conta o produtor e ator da montagem, Aury Porto, um dos idealizadores do projeto.

Arneiroz (com quase 8.000 habitantes) e Lavras da Mangabeira (31 mil) também serviram como paradas para a ação do grupo no Ceará.

FIOS DE MACARRÃO

O trabalho impregna-se com a cultura regional para adaptar a novela homônima de Tchékhov, sobre um homem que conquista uma mulher casada e a leva para viver em uma cidade de interior do Cáucaso. O enredo se passa em um verão, com temperaturas altas, e este é um dos pontos que fecham a opção de criar no sertão cearense.

Mas o resultado da imersão, diz Porto, não é exatamente uma transposição do argumento original para a paisagem do Nordeste.

A história se passa mesmo no Cáucaso. "Apenas trazemos para a cena elementos sonoros e plásticos como as cadeiras de fios de macarrão, comuns no Nordeste", diz.

O modelo de itinerância também busca uma troca: o público é beneficiado por testemunhar as raízes de uma criação, também tem acesso a um tipo de produção inexistente na cidade; os artistas, em contrapartida, aquecem os tamborins, moldando-se pela reação da plateia.

Há outros exemplos similares ao projeto da Mundana.No primeiro semestre deste ano, a peça "O Contrato", com Débora Falabella e Yara de Novaes no elenco, percorreu cidades do interior e do litoral de São Paulo com um espetáculo em construção.

Há um porém. Espectadores das duas apresentações questionam se suas cidades também estarão na rota dos espetáculos quando eles estiverem prontos. "Gostaria de ver o resultado", diz Mineia Campos, que viu "O Duelo", em Iracema. "Prefiro ver o espetáculo acabado", disse a professora Evelize Farina, ao fim do ensaio de "O Contrato" em São Sebastião.

Segundo a produção da peça "O Duelo", ainda não há previsão de retorno às cidades. "Precisamos de um estrutura para conseguir levar o espetáculo pronto para lá; a cidade não oferece essa estrutura", diz Aury. "Isso pode ser feito em um segundo momento, depois de cumprirmos a temporada", completa. O patrocínio da peça é do Governo do Estado do Ceará e também da Caixa, com captação via Lei Rouanet.

As atrizes Débora Falabella e Yara de Novaes, durante o ensaio aberto de "O Contrato", disseram que esperavam poder voltar para as cidades que visitaram. A Secretaria de Estadual da Cultura de São Paulo --que fomentou a circulação do ensaio aberto da peça-- afirmou que pretende retornar com a produção para as respectivas cidades.

DIÁRIO DE BORDO

Durante sua passagem pelo Sertão, a Mundana hospedou-se em casas comuns e não em hotéis, conta o ator e diretor. "Alugamos residências de moradores mesmo, pedimos para que deixassem suas coisas, mobiliário, para nos sentirmos dentro de um lar de verdade", descreve.

Camila Pitanga descreve, por exemplo, uma inspiradora festa de São João em Missão Velha "em que os moradores faziam fogueiras na frente de todas as casas da cidade; era lindo".

Ela conta também que, com a atriz Carol Badra, responsabilizou-se pelo cardápio da turnê. "A gente montava as refeições em cima de receitas locais", diz.

Momentos de assédio em torno da atriz global também foram inevitáveis. Uma vez, um grupo em Lavras de Mangabeira invadiu a casa onde ela estava hospedada. Queria fazer fotos.

Repetiu-se ainda uma mesma tentativa de aproximação: gente de plantão na porta das hospedagens.

O processo de criação da peça retorna à metodologia que a Mundana desenvolveu há três anos com o espetáculo "O Idiota", adaptação de livro de Dostoiévski que teve direção de Cibele Forjaz.

Hoje uma das mais atuantes no cenário experimental de São Paulo, a companhia juntou ex-integrantes de grupos como o Teatro Oficina (de Zé Celso), o Teatro da Vertigem (de Antonio Araújo) e a Companhia Livre (de Forjaz). Seus trabalhos são criados a partir de improvisos, trazendo atores e cenógrafos para um coautoria dramatúrgica.

Recentemente, foi lançado o livro "Caderno de Atuação", espécie de diário de bordo em que os integrantes do grupo narram a experiência de criar a peça "Pais e Filhos" com o diretor Adolf Shapiro, um nome forte no cenário russo. A peça fez temporada no Sesc Pompeia no ano passado.


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