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Crítica romance

'Vidas Provisórias' narra traumas do exílio

Livro de Edney Silvestre conta, em paralelo, histórias de personagens massacrados que deixam o país em épocas distintas

LUÍS AUGUSTO FISCHER ESPECIAL PARA A FOLHA

"Vidas Provisórias" combina a força lenta do romance com a agilidade do jornalismo bem feito.

Em uma trama complexa "oa vida de duas personagens massacradas, exiladas em épocas distintas, em uma sucessão de conjunturas notáveis, do Golpe de 64 ao atentando ao World Trade Center, passando pelo Maio francês, o fim da União Soviética e governo Collor"o, o livro alcança um equilibro entre exposição da trama, desenho dos caracteres e descrição dos variados contextos históricos pelos quais se movimenta, com boa velocidade.

Os dois personagens centrais têm histórias contadas em paralelo, mostradas em interessante solução gráfica.

Um deles é Paulo, que no exílio imposto em 1970 (Chile, Suécia e depois França, já funcionário da Unesco) se chamará Nelson; a outra é Bárbara, que vai ao autoexílio em 1991 (nos Estados Unidos) com um passaporte argentino fajuto.

Ele é um estudante de pedagogia, simpatizante de Paulo Freire e preso por engano; ela é uma das enganadas jovens de classe média baixa que, sob Collor, pretendeu fazer a vida na América.

Ele vive o horror da memória da humilhação, que uma namorada sueca ajuda a superar, mas nunca totalmente; ela experimenta a ruína de sua ilusão, despencando do desejo de cursar medicina para a realidade da faxina.

Em volta deles, grandes personagens. Nem tanto Paulo, que convive com exilados em um multiculturalismo forçado pelo contexto; mas muito Barbara, contracenando com brasileiros do submundo, que sobrevivem como intermediários de passaportes furtados, agenciadores de prostitutas brasileiras, garotas de programa que à noite são pacatas mães família etc.

Nessa galeria, ganha vulto um excelente personagem, Silvio, garoto de programa que saiu do Brasil e se deu muito bem, até que a Aids o atinge e ele é submetido a tratamentos experimentais terríveis, que Bárbara acompanha com inesperado fervor.

Não é pouco mérito. O romance repassa vivamente a experiência de tortura, em páginas que merecem permanecer como memória ativa daquele horror, sem ser panfletário. Relata envolvimentos amorosos tortuosos, mas com delicadeza. Dá notícia de gente simples, não das elites, sempre com agudeza crítica e visada humanista.

Perde um tanto de força no final: a trama, armada desde o início, vai desfazendo a tensão narrativa, mais prometida que cumprida.

Mas é uma ótima e relevante leitura, em uma carreira que já se mostra sólida.


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