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Julio Le Parc seduz com obras luminosas

Depois de uma grande retrospectiva em Paris, mestre argentino da arte cinética abre mostras em São Paulo e no Rio

Obras que passaram pelo Palais de Tokyo estão na galeria Nara Roesler, em SP, e vão à Casa Daros, no Rio

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Julio Le Parc tinha 17 anos quando, numa sala de aula em Buenos Aires, seu professor Lucio Fontana pediu que todos os alunos assinassem o seu "Manifesto Branco".

No texto de 1946, Fontana, que revolucionou a pintura ao rasgar a tela para revelar novos espaços além do plano clássico do quadro, decretava que chegara ao fim "a era artística de cores e formas paralíticas", dizendo que o "homem se tornava insensível a formas sem vitalidade" e sentia "necessidade de ação".

Le Parc, 85, não assinou. "Achava prematuro fazer isso na adolescência", conta o artista argentino. "Mas também acreditava que o mundo da arte podia ser diferente."

Tão diferente que, para além dos rasgos nas pinturas, Le Parc --que abre hoje uma mostra na galeria Nara Roesler, em São Paulo, e outra na semana que vem, na Casa Daros, no Rio-- acabou incorporando as lições do manifesto e se tornou um dos pioneiros de um gênero que abortava as tais "formas paralíticas" para saciar toda "necessidade de ação" --a arte cinética.

No fim dos anos 1950, Le Parc foi morar em Paris, onde vive até hoje, e fundou ao lado de outro argentino e alguns europeus um coletivo dedicado a experimentações com luzes em movimento.

De certa forma, ele rompia ali com a arte construtiva que aprendeu na escola e o concretismo que então surgia.

"Isso foi uma base para mim", diz Le Parc. "Mas achava a arte concreta muito matemática e pouco ótica. Queria uma relação mais direta com o olho do espectador."

Ou melhor, queria seduzir o olhar. Suas obras são constelações de plástico luminoso que fazem reverberar a luz. Na galeria Nara Roesler, uma enorme esfera de placas de acrílico azul mergulha o espaço num baile cintilante.

Outra sala tem um labirinto de espelhos que rodopiam no ar, embaralhando a visão. Lá atrás, a saída leva a uma sala toda escura com um cilindro metálico alvo de projeções de luz vindas do chão.

"Não é que acordei um dia e decidi trabalhar com luz", diz o artista. "Foi uma atitude experimental, mas em um certo momento a luz me inspirou pela sua instabilidade."

GELADEIRA PARISIENSE

Muitas dessas obras, aliás, saíram da geladeira do circuito no começo deste ano em Paris, quando Le Parc teve uma grande retrospectiva no Palais de Tokyo e foi um dos astros de "Dynamo", megamostra do Grand Palais sobre a evolução da arte cinética.

Geladeira porque Le Parc está longe de ser o queridinho do sistema. Suas obras valem muito, mas sua atitude debochada --já desistiu de fazer uma mostra no Museu de Arte Moderna de Paris ao jogar um dado-- não agrada a plutocracia dos museus.

"Não sou um revoltado", diz Le Parc. "Só acho que há muita mistificação do trabalho do artista, diretores de museu que se curvam aos anseios do mercado e estruturas seletivas em que pouquíssimas pessoas têm o poder de decidir o que é bom ou não."

Não é de hoje sua insatisfação. Quando venceu o grande prêmio da Bienal de Veneza em 1966, batendo Roy Lichtenstein, Le Parc diz que houve uma enorme campanha nos bastidores pressionando o júri para premiar o artista pop norte-americano.

"Nunca entendi a arte pop", diz Le Parc. "Os americanos só foram aceitos no mundo todo com a compra de diretores de museus e agentes de mercado, todos pagos para impor suas tendências. Não foi algo natural. Forçaram sua hegemonia."

Essas pressões de mercado também levaram ao fim do coletivo de cinéticos que formara em Paris em 1960. Em um texto de 1968, ano de dissolução do grupo, Le Parc atribuiu o fracasso ao fato de muitos dos membros já estarem inseridos no mercado, ao "medo de serem ridicularizados", à "falta de vontade" e a uma "lentidão paralisante".

Sozinho, o artista abandonou qualquer traço figurativo --e político-- em sua obra para fazer trabalhos luminosos e abstratos, alguns deles até velozes, nunca estáticos.


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