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Crítica - Contos
Tramas de Alice Munro não deixam puritanismo triunfar
Personagens femininas da escritora canadense são sempre fortes e obstinadas
UM BEM-VINDO IMPULSO VITAL --ERÓTICO OU ARTÍSTICO-- SEMPRE SALVA AS PERSONAGENS DE UM DESTINO REPUGNANTE
LUIZ BRAS ESPECIAL PARA A FOLHAA análise panorâmica da obra da canadense Alice Munro --são 14 livros até agora, todos de contos-- facilmente revela os dois elementos recorrentes e obsessivos de sua ficção: a condição feminina e a epifania negativa.
Qualquer classificação que leve em conta apenas o estilo e a linguagem abrigará Munro na ala mais conservadora da ficção contemporânea: a dos hipernaturalistas. Parece ruim, mas não é.
É a ala mais prestigiada pelos leitores de língua inglesa. A mesma de Jonathan Franzen e Jeffrey Eugenides, por exemplo.
As narrativas deste "O Amor de Uma Boa Mulher", de 1998, e de suas outras coletâneas soam antigas, quase antiquadas, porque viajam por uma rodovia paralela à dos grandes modernistas. Paralela, mas distante.
Nos contos hipernaturalistas de Munro reinam ora o narrador em primeira pessoa ora o (não menos básico) narrador onisciente discreto. Às vezes a autora até arrisca um discurso indireto livre, mais atrevido. Não, nada de monólogo interior e fluxo de consciência, isso seria demais.
O espantoso está em outras substâncias da alquimia ficcional. Munro revela enfim seu talento de feiticeira na engenhosa caracterização das personagens e no manejo extraordinário da trama.
Tais habilidades fariam dessa canadense a mais interessante ficcionista em atividade da literatura ocidental, se não existisse Joyce Carol Oates.
O detalhe mais significativo, sobre as mulheres de Alice Munro, é que são figuras fortes e obstinadas, não importando a idade.
Surgem como avatares da mesma matriz sensível e inteligente, porém em contextos distintos, vivendo diferentes vidas.
As meninas de "Podre de Rica" e "O Sonho de Mamãe", as jovens mulheres de "Jacarta", "A Ilha de Cortes", "As Crianças Ficam" e "Antes da Mudança", a solteirona de "O Amor de uma Boa Mulher" e a madura mãe solteira de "Salve o Ceifador", nada as detém ou subjuga.
EPIFANIAS NEGATIVAS
Em todos os oito contos desta coletânea vencedora do National Book Critics Circle Award, a sordidez da sociedade moralista abraça forte essas heroínas.
Mas a confissão de um crime, uma traição, um aborto ou a morte de um ente querido são sustos --epifanias negativas-- que elas suportam e assimilam.
Alice Munro certamente pertence à linhagem de escritores como Tchekhov e Virginia Woolf, mestres da intimidade doméstica, da elipse e do desenlace indefinido. A única diferença é que em suas histórias o niilismo e o puritanismo jamais triunfam.
Um bem-vindo impulso vital --erótico ou artístico-- sempre salva as personagens de um destino repugnante.