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Crítica ensaio

Livro usa histórias de superação como escada para generalizações exageradas

REINALDO JOSÉ LOPES COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Malcolm Gladwell é, em essência, o que jornalistas costumam chamar de "cascateiro" --ainda que seja um dos exemplares mais talentosos.

É bom deixar claro que o repórter cascateiro não é mentiroso, nem mesmo tortura dados para que eles digam o que ele deseja ouvir.

Mas sim sujeito com bom texto, ideias interessantes e capacidade argumentativa, que consegue reunir uma constelação convincente de fatos em apoio à visão inovadora e contraintuitiva da realidade que deseja pintar na sua próxima reportagem.

O problema, porém, é que as narrativas bem estruturadas e gostosas de ler que brotam do teclado desse tipo de jornalista só costumam parar de pé com a ajuda de uma visão seletiva da realidade, graças ao sacrifício de nuances e ao foco numa dimensão humana que pode ser enganosa.

Ler sobre bons personagens --indivíduos reais com histórias de vida impactantes-- é sempre divertido, mas o problema é quando essas histórias servem de andaime para generalizações exageradas sobre como o mundo funciona.

Esses são, em essência, os problemas do novo livro de Gladwell, "David and Goliath" ("Davi e Golias"), sobre como pessoas que sofrem desvantagens de todo tipo conseguem vencer adversidades aparentemente insuperáveis.

Em seu livro, Gladwell trata da tese de que a adversidade pode mobilizar reservas de coragem e criatividade que ninguém imaginava possuir.

Sim, disléxicos podem se tornar astros da Bolsa e garotos que perdem pais muito cedo podem usar isso para se transformar em adultos emocionalmente mais fortes.

Particularmente interessante é a história da comunidade huguenote que se tornou um dos refúgios dos judeus da França durante a ocupação nazista porque tinha sido "treinada" sofrendo séculos de perseguição religiosa.

O problema, no entanto, é a sensação de que o autor apresenta essa relação entre adversidade e crescimento como uma grande descoberta quando, na verdade, só confirma visões do senso comum.

E, ao falar da necessidade dos "Davids" de não jogar pelas regras dos "grandes", Gladwell chega perto de propor uma ética no estilo "os fins justificam os meios".

É o que ele insinua ao defender a decisão de Martin Luther King e de seus auxiliares de colocar crianças em risco de apanhar da polícia ou serem mordidas por pastores alemães em sua luta pelos direitos civis dos negros americanos nos anos 1960.

Decisões como essas talvez sejam a única arma do arsenal dos "Davids", mas isso não significa que elas não possam ser questionadas.


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