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Artista britânica constrói ode ao analógico

Mostra de Tacita Dean no Rio exibe filmes em 16 mm sobre a história de um naufrágio

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Tacita Dean é uma artista analógica. Seus filmes estão tão entranhados de realidade --ou de "tudo que pode ser quantificado, como comprimento, largura, voltagem e pressão"-- como o toque dos telefones antigos, ou os "ponteiros dos relógios que giram com a rotação da Terra".

Isso para dizer que Dean, artista britânica que expõe agora no Instituto Moreira Salles do Rio e também está na Bienal de Veneza, tenta criar na janela de 16 milímetros de seus filmes não uma "tradução" do mundo, mas um "equivalente em outra forma" de tudo que observa.

Na mostra agora em cartaz, sua primeira individual no país, a artista refaz numa série de trabalhos a trágica viagem de Donald Crowhurst, um velejador amador que em 1968 partiu da costa acidentada da Escócia para dar uma volta ao mundo e nunca mais reapareceu, deixando só um caderninho de anotações em que forjou dados de sua rota.

"Desaparecimento no Mar", filme central da mostra, é um registro solitário dos mecanismos internos e o movimento das luzes no farol de Berwick, "o último ponto de contato que o marinheiro teve com a terra", ela frisa.

"Quando mergulhei mesmo nessa viagem, vi que há algo de existencial na sensação de estar perdido no mar, na era pré-satélite", diz Dean. "Há algo de homérico nisso."

De certa forma, seus filmes são quase sempre contemplações silenciosas, de longos planos, desses fragmentos de uma narrativa --o farol que iluminou a partida de Crowhurst, seu barco apodrecido numa ilha caribenha, que é tema de outro filme, ou mesmo a estranha casa em forma de bolha que encontrou perto do ponto do naufrágio.

IMAGENS FÍSICAS

São imagens carregadas de certa materialidade física, obcecadas em mostrar cada detalhe daquilo que retratam. Por isso sua insistência em usar filme analógico, em que os fotogramas surgem por emulsão sobre a película em vez das traduções de dados numéricos que faz o digital.

Numa espécie de ode a essas imagens mais físicas, ela filmou o apagar das luzes da última fábrica da Kodak, em Chalon-sur-Saône, na França. É um desfile metalinguístico de rolos de película plasmados sobre esse mesmo suporte, amalgamando um assunto e sua representação em um único registro visual.

Não está longe do que fazia Giorgio Morandi, o pintor italiano morto em 1964 conhecido por suas naturezas-mortas obsessivas, em que retratava potes, garrafas e jarros à exaustão, sempre sob a mesma luz carregada de pó.

Talvez sua obsessão fosse não representar na tela aquela garrafa ou aquele vaso específico, mas vasos e garrafas arquetípicos capazes de sustentar o peso da técnica, formas dignas de presença mais do que sólida sobre a tela com aquele mesmo aspecto arenoso de seus objetos.

Outro filme de Dean mostra o ateliê de Morandi, seus objetos embaralhados no quadro, desfazendo a ilusão de opacidade que ele criava na pintura, ao mesmo tempo em que exalta a realidade física e exuberante de tudo aquilo que surge esmaecido nas pinceladas do artista.


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