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Oscar 2014

É a cara dela

A veterana atriz britânica Judi Dench faz uma interpretação corajosa e concorre ao prêmio por 'Philomena' aos 79 anos

SYLVIA COLOMBO DE SÃO PAULO

Uma mulher resolve contar um segredo terrível que guardou por 50 anos. Não olha para o interlocutor, mas sim para o invernal vale irlandês onde passou uma adolescência gris marcada pela ideia do pecado. Seu rosto exibe as marcas do sofrimento e da contenção. Seu olhar parece embaçado.

Aos 79 anos, a atriz britânica Judi Dench já não consegue ler. Vítima de uma degeneração da mácula (pequena área na porção central da retina), decora os roteiros com a ajuda da filha e dos colegas.

Ainda assim, pôde acrescentar à sua carreira --que coleciona de papéis shakesperianos a heroínas pop da série "007"-- uma interpretação que questiona a fé e o jornalismo de maneira corajosa e original.

Dench é a protagonista de "Philomena", filme dirigido por Stephen Frears que concorre a quatro Oscar (incluindo melhor atriz e filme). Quem vê desavisadamente o cartaz ou o trailer da película imagina mais um drama cômico britânico que se aproveita de uma cara veterana tarimbada.

Mas "Philomena" é, na verdade, um drama seríssimo, que denuncia a venda de bebês por freiras católicas irlandesas nos anos 1950 e 1960, prática que separou mais de 60 mil crianças de suas mães. A razão: estas eram consideradas "fallen women" (mulheres caídas), adolescentes que haviam cometido o pecado da "incontinência carnal" e engravidado.

Sua punição era, então, realizar trabalhos forçados em conventos enquanto seus filhos eram vendidos a famílias norte-americanas.

"Eu quis fazer o papel quando leram para mim o roteiro. É uma história que precisava ser contada", disse Dench em entrevista no último Festival de Veneza.

A atriz teve quatro encontros com a verdadeira Philomena e teve de enfrentar o desafio de não concordar com as reações da personagem real. "Philomena perdoou as freiras, eu não sei se poderia ter perdoado. Tinha de encarnar ela na tela, não podia deixar minha opinião transparecer."

Dench iniciou uma campanha, então, de promover a história e a luta da verdadeira Philomena. Hoje, o Philomena Project está pressionando o governo irlandês a abrir os arquivos sobre as adoções arranjadas pela igreja na época.

O filme provocou a busca de ativistas e curiosos pelas associações de adoção no país. "Nunca houve um pedido de desculpas por parte da igreja pelas vendas das crianças e pelo silêncio que mantiveram", diz Susan Lohan, também ela adotada, da Adoption Rights Alliance.

No filme, Philomena viaja aos Estados Unidos para descobrir o destino do filho, um advogado gay que trabalhara com George Bush.

AS QUERIDINHAS

Dench representa, ainda, a admiração desmedida que os britânicos têm por seus atores veteranos. No momento, a atriz, que já encarnou a Rainha Vitória, Cleópatra e Julieta, disputa palmo a palmo a popularidade com outras duas estrelas.

São elas Helen Mirren, estrela de outro filme de Frears, "A Rainha" (2006), e Maggie Smith, que brilha com suas tiradas satíricas no seriado "Downton Abbey".

"Quanto mais idosas, melhores. Maggie Smith é minha preferida, mas o momento é de Dench, levando a plateia ao riso e às lágrimas. Ela está no topo do ranking das coroas barras-limpas", diz à Folha o escritor e dramaturgo anglófilo Antonio Bivar.

O filme também ataca de frente os dilemas do jornalismo. Através da história de Martin Sixsmith, ex-correspondente político da BBC que considera uma apelação ter de dedicar-se a histórias de "interesse humano" para agarrar um freelance.

"Entrei na história para resgatar Philomena, mas ela também me resgatou, abrindo meus olhos para as questões importantes, da vida como também deste ofício", diz.


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