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Musical de Zé Celso revisita ditadura e incorpora 'bruxaria'
Para provar a capacidade de transformação do teatro, diretor do Oficina atribui 'poder sobrenatural' à arte
'Walmor Y Cacilda 64 - Robogolpe' reflete sobre a relação entre golpe militar e a criação artística no Brasil
Zé Celso vê sua obra teatral como um poema contínuo. Em "Walmor Y Cacilda 64 - Robogolpe", espetáculo cuja estreia acontece hoje em São Paulo, o líder do Teatro Oficina vive um velho poeta sem inspiração, incapaz de terminar sua obra.
O impulso criativo do autor surge após uma tempestade, alusão ao último texto escrito pelo dramaturgo William Shakespeare.
Em "A Tempestade", esta peça do bardo inglês, o personagem Próspero manipula forças da natureza para se vingar do irmão e recuperar influência política. Ao atingir seu objetivo, abre mão de seus poderes sobrenaturais.
"Em Walmor Y Cacilda 64 - Robogolpe', assumo o bastão de Próspero", diz o encenador, criador do musical.
"Assumo a incorporação da bruxaria no teatro como modo de interferência na sociedade. É pretensioso, mas tenho a audácia de defender esse bastão. O teatro quer ter todos os poderes", completa.
"Walmor Y Cacilda 64 - Robogolpe" é um poema musical que exalta a importância da liberdade e do teatro como meio de renovação social.
A peça também reflete sobre a relação entre ditadura e arte perpassando momentos da história do país.
GOLPE MILITAR
De um lado, estão o Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e o Robogolpe, misto de pessoa e tanque de guerra robotizado que sintetiza o sistema opressor. Do outro, estão artistas e povo. Para eles, a arte é o caminho para manter viva a liberdade. O povo é simbolizado por um dragão de nove cabeças, cada uma delas proclamando reformas no sistema do país.
Na trama, a atriz Cleyde Yáconis (1923-2013) é presa pelo Dops. Cacilda Becker (1921-1969) está em cartaz com "A Noite do Iguana", de Tennessee Williams, sob direção de Walmor Chagas (1930-2013). É intimada a depor ao lado da atriz Maria Della Costa, também personagem da peça.
Becker faz do interrogatório um hino à liberdade: "É preciso deixar que as asas cresçam para todos os lados. O voo de todos será mais alto. O teatro é da divina criação humana, merece mais do que ser bem cuidado!"
Zé Celso escreveu "Walmor Y Cacilda..." em duas semanas, instigado pelas ações culturais promovidas pela Cia. Os Satyros sobre os 50 anos do golpe militar.
"Passaram-se 50 anos e acho que está tudo a mesma coisa. Vivemos uma insatisfação absoluta e o sistema capitalista mundial continua oprimindo manifestações. Estamos em plena 3ª Guerra Mundial", constata o diretor.