Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Artista cria naturezas-mortas violentas

Obra de Rodrigo Braga desafia gênero clássico da história da arte ao usar bichos mortos em cenas arquitetadas

Revelação da última Bienal de São Paulo, artista ficou famoso ao simular cirurgia em que se torna um cachorro

SILAS MARTÍ NO RIO

Árvores do Norte dão frutos estranhos. Ali, numa ilha no meio do rio Negro, nove tucunarés apodrecem pendurados nos galhos à espera de uma revoada de urubus, que logo virão devorar os peixes.

Essa é uma cena construída e fotografada pelo artista Rodrigo Braga. Durante dias, ele e um barqueiro na Amazônia ficaram de olho na árvore onde penduraram os bichos, esperando a chegada dos pássaros negros que faltavam para compor a cena.

"É uma imagem colhida depois de semeada", diz Braga, 38, que mostra essa e outras fotografias e vídeos numa individual em setembro no Sesc Belenzinho. "Essa é uma situação real, só que induzida. Tem a minha mão ali, meu gesto de artista provocando todo esse processo."

Braga, aliás, ficou famoso construindo outra imagem um pouco mais estarrecedora do que essa dos urubus. Há dez anos, ele simulou numa série de fotografias uma cirurgia em que médicos costuravam o focinho de um cachorro ao seu próprio rosto.

"Sou muito criticado por maltratar a natureza. Toda exposição que faço dá problema", conta o artista, em seu ateliê, no Rio. "Já fui levado à delegacia e cheguei a receber umas 40 mensagens de gente querendo me matar."

Essa fama só piorou quando Braga mostrou uma série de trabalhos há dois anos, na última Bienal de São Paulo. Num vídeo, ele mergulhava nu com um bode num lamaçal. Noutra imagem, encenava uma espécie de queda de braço com um caranguejo, seus dedos contra as garras.

Desde então, a obra de Braga impressiona a crítica por questionar com mordacidade o que se entende por natureza-morta e, ao mesmo tempo, choca a parcela do público menos afeita às estripulias da arte contemporânea.

Mas o choque é só construído. Braga, filho de biólogos nascido em Manaus, cresceu e ainda convive com todo um universo de ecologistas. Ele diz não defender causa alguma, mas explica que todo seu trabalho de artista só usa coisas encontradas na natureza.

"Nunca matei um animal para fazer um trabalho", conta Braga. "Todas essas carcaças e partes de bichos foram compradas em feiras ou encontradas nos abatedouros."

E são muitas as carcaças. Braga já usou orelhas e patas de boi, o focinho de um cachorro, chifres e línguas. Uma mandíbula de boto-cor-de-rosa, aliás, vai estar na exposição do artista numa espécie de gabinete de referências.

Toda essa anatomia destroçada aparece nas imagens de Braga, que se firmou como uma espécie de arquiteto de naturezas-mortas.

Ele diz que costuma sair pela floresta da Tijuca, agora que mora no Rio, ou qualquer outro ponto da Amazônia e do litoral pernambucano atrás de situações que se prestem à sua manipulação.

Um tronco de árvore, por exemplo, vira um mural de folhas que ele chamou de "Inventário de Peixes Verdes", ou um olho de peixe espetado num osso do próprio bicho se torna uma "sentinela".

REALIDADE CONSTRUÍDA

"Existe sempre uma sugestão de que seja verdade", diz Braga. "Não é um fato natural, mas quero que pareça real, sempre num jogo entre a construção e a realidade."

Nas últimas obras, essa realidade está mais amortecida. Depois das cirurgias de mentira e de embates na lama com bodes e caranguejos, Braga vem criando cenas surreais com peixes, que ele diz causam menos indignação que outros bichos mortos.

"Tem quem ache essa fase mais lírica", diz Braga. "Mas tudo ainda é violento, só que com uma voltagem poética."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página