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Escritor cria o 'Big Brother' do século 21

Em 'Whiskey Tango Foxtrot', David Shafer inventa o Comitê, organização secreta que vigia comunicação on-line

Comparado a '1984', de George Orwell, livro de jornalista americano explora espionagem de grandes corporações

RODOLFO LUCENA DE SÃO PAULO

Para um estreante na militância literária, David Shafer não está se saindo nada mal. Seu romance de estreia, lançado em agosto, foi saudado pela crítica do "New York Times" como "candidato a novela do verão". "Ando meio bobo de alegria", diz o autor, que buscou em suas experiências inspiração para o que vem sendo chamado de tecnothriller.

Trata-se de "Whiskey Tango Foxtrot", história de suspense e ação cheia de ingredientes tecnológicos, a começar pelo malvadão da trama. O Comitê é uma organização secreta que espiona as comunicações on-line --mistura perversa de Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft.

Do outro lado, estão jovens trintões descolados e cheios de problemas pessoais: uma bela ativista de uma ONG, um blogueiro meio paranoico e um escritor celebridade-instantânea-e-passageira.

Misture isso num liquidificador --ou no processador de texto de um jornalista de 41 anos com diplomas de Harvard e Columbia, como é Shafer-- e, ao ver o resultado, você poderá exclamar: "Que merda é essa?!". Que, por sinal, é o significado do título: whiskey, tango, foxtrot é o jeito de dizer, no alfabeto de soletração, WTF, sigla em inglês para "What the fuck?!"

"Em geral a expressão é uma pergunta, mas aqui quero usá-la em todos os seus sentidos, tanto de raiva quanto de lamúria ou surpresa e espanto com o que o mundo a nossa volta se tornou", diz Shafer, em entrevista à Folha realizada por e-mail.

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Folha - Seu livro é apontado como uma espécie de "1984" do século 21. Quanto de Big Brother há no Comitê?
Shafer - Da maneira que vejo o Big Brother, certamente o Comitê é um equivalente modernizado, no sentido de que eles são os que estão sempre vigiando [a população].

O que o inspirou a escrever "Whiskey Tango Foxtrot"?
Em 2007, um amigo meu muito inteligente começou a ver no mundo conexões que nós não percebíamos. Ele estava tendo o que agora sabemos que deveríamos chamar de um episódio psiquiátrico, mas os cenários que criava eram bem possíveis.
Aquele ano foi também o ponto máximo --ou a mim parecia que teria de ser o ponto máximo-- da guerra mundial contra o terror. Como cidadãos, só começávamos a perceber os excessos e a saber as histórias dos mercenários [contratados pelos governos em guerra].
Então surgiu a ideia. E se você estivesse mesmo tendo problemas psiquiátricos e tivesse dificuldade de separar o real do imaginário, e de repente uma linda garota de um grupo clandestino entra em contato com você e lhe diz que você é muito importante para a luta contra uma organização globalizada, secreta e poderosa? Não seria confuso?

O que significa o título?
Whiskey Tango Foxtrot é código para WTF, que por sua vez é a abreviação de "What The Fuck?" ["que merda é essa?", em tradução livre]. Em geral é uma pergunta, mas aqui quero usar todos os seus sentidos, tanto de raiva quanto de lamúria ou surpresa e espanto com o que o mundo a nossa volta se tornou.

O sr. trabalhou numa ONG e fez de sua heroína uma funcionária de uma ONG. Esses voluntários são os heróis modernos?
A maioria de nós gosta de ajudar, pois fazemos isso quando há uma oportunidade. Mas em geral a gente ajuda pessoas que conhecemos e de quem gostamos. Se você ampliar isso para estranhos, é preciso colocar objetivos de longo prazo e organizações estruturadas, com hierarquia e também fofocas de escritório. Mas, tirando os que fazem turismo em zona de desastre e os que buscam a salvação de suas consciências, acho que essas pessoas que atuam em situações como a da personagem no livro estão fazendo um bom trabalho.

Considerando o poder de Google, Facebook e outras, estamos perto de ter no mundo real uma "organização secreta e perversa que tenta construir um futuro em que tudo o que consumimos é controlado por ela", como é o Comitê?
Acho que estamos chegando perto desse mundo. O problema é que a tendência não é termos mais fornecedores, e sim menos. Quando entro em uma cafeteria aqui em Portland [Oregon], 80% das pessoas está grudada em um aparelho da Apple, e provavelmente 90% delas estão no seu Gmail ou no Facebook ou usando algum software da Microsoft. Mas a tal "organização secreta e perversa" é pura obra de ficção. Para que ela existisse, seria preciso que os tecnobarões cooperassem uns com os outros. E não acho que isso esteja acontecendo. Acho que temos de agradecer ao capitalismo por isso...

Seu livro fala sobre os males da concentração de dados nas mãos de uma corporação. Mas o governo também não é uma ameaça à privacidade?
Sim, claro. No livro, os maus são uma corporação. Isso não significa que a gente deva se preocupar só com ameaças vindas daquela direção. Em relação ao governo ainda há mecanismos de cobrança e controle. O problema é a área cinzenta em que as ações de governo e grandes corporações se sobrepõem. Há companhias com abrangência de Estados (como o Facebook) que têm necessidade de ficar nas sombras, parecem ter aversão à transparência.

Na sua vida particular, o sr. toma precauções para proteger sua privacidade digital?
Não sou muito bom em me proteger no mundo digital. Mas, nos dias de hoje, sabendo o que sabemos sobre a vigilância na internet, isso não é mais uma desculpa. Não deveria guardar meu diário na nuvem. Não deveria sentar horas em frente ao computador digitando palavras que revelam meus pensamentos. Não deveria checar meu celular 30 vezes por dia, especialmente quando eu poderia, em vez disso, ficar cuidando de meu bebê de seis meses, que é o que deveria fazer.


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