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Artista retrata fricção entre etnias em imagens surreais

Fotos de Martín Chambi traçam panorama do Peru no início do século 20

Mostra no IMS revê a produção do fotógrafo peruano que retratou os povos andinos e classes dominantes da época

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

No casamento do prefeito de Cuzco, todos olham para a câmera de Martín Chambi. É um retrato duro, em que os pretos são muito pretos e os brancos são muito brancos, um contraste que sintetiza a obra desse fotógrafo peruano.

Essa imagem de 1930, agora a peça central de uma mostra de Chambi no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, também joga luz sobre outra dicotomia na base de seu trabalho plástico --a fricção entre a presença ibérica e os povos andinos no Peru.

Morto aos 81, em 1973, Chambi se firmou como o maior retratista do país sul-americano no início do século 20, com um registro do povo indígena e das classes dominantes que vai além do que seria um olhar etnográfico.

"Ele transcende a representação iconográfica", diz Sérgio Burgi, um dos curadores da mostra. "Tem ao mesmo tempo a paisagem, a questão andina e a religião, mas tudo está ancorado no interesse dele por uma ordem cultural."

Ou pela imposição dessa ordem. Numa das imagens mais fortes da mostra, um soldado branco é retratado ao lado de um menino indígena, muito menor do que ele e alheio à onda de urbanização que então varria Cuzco, com a chegada dos trens e dos aviões.

Em dois retratos vistos lado a lado, Chambi mostra uma camponesa fotografada em estúdio e outra mulher, nos mesmos trajes, na paisagem real, confundindo uma linguagem mais espontânea com o retrato posado e calculado.

É nesse ponto que está sua maior força. Enquanto a luz de Chambi é sempre inclemente, como se a realidade se desenrolasse em condições perfeitas de luz e sombra, a verdade que ele retrata ganha contornos surreais.

Isso transparece no olhar estoico do gigante de Cuzco, um homem retratado ao lado de outro com metade de sua altura, ou nas festas de Carnaval, em que um rapaz fantasiado de esqueleto surge em primeiro plano sobre o piso todo coberto de serpentinas.

Nessa última imagem, é como se seu personagem posasse para um anúncio, o que seria um flagra isolado da festa é alçado à condição de arquétipo de uma cultura cindida entre certo decoro católico e a violência da colonização.

"Ele era indígena e nunca abandonou o olhar para o seu povo", diz Mariana Newlands, também curadora da mostra. "Mas não tem pieguice nisso, não é um cartão-postal. Tem uma ternura nesse seu olhar."

E uma dureza no olhar de seus retratados. Os longos tempos de exposição exigidos pela fotografia de cem anos atrás acabam rendendo às imagens uma natureza estática, de expressões rígidas, como se os personagens fossem esculpidos pela luz intensa.

Esses rostos de quase estátua lembram aqueles nos retratos de seu contemporâneo, o alemão August Sander, no registro do povo do país europeu. Mas enquanto Sander buscava uma identidade com base no trabalho, Chambi encontra nos traços étnicos uma chave de leitura de sua época.


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