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Bienal de Gwangju se coloca como um rito de purificação

Maior mostra de arte da Ásia fala de revolução usando o fogo como metáfora

Canção 'Burning Down the House', dos Talking Heads, inspirou evento em cartaz até novembro na cidade sul-coreana

SILAS MARTÍ ENVIADO ESPECIAL À COREIA DO SUL

Na fachada do pavilhão da Bienal de Gwangju, um enorme polvo tenta escapar do prédio em chamas, seus tentáculos trincando as paredes.

Esse mural do britânico Jeremy Deller parece resumir a mostra inspirada em versos da velha canção dos Talking Heads, "Burning Down the House" --ou ateando fogo à casa--, entendida aqui como metáfora da queima como um elemento de renovação.

Maior mostra de arte contemporânea da Ásia, a Bienal de Gwangju surgiu há 20 anos num contexto também brutal de renovação. A cidade foi o epicentro do levante pela democracia no país então dominado pela ditadura e acabou entrando no circuito das artes visuais como um território fértil de experimentação.

Esta décima edição do evento, em cartaz até novembro, tenta sublinhar o histórico de revolução da cidade, mas oscila entre momentos mais literais e outros em que parece se perder na tradução, num telefone sem fio entre o levante democrático e o pop pegajoso dos Talking Heads.

"Tinha plena consciência da minha incapacidade de comunicação ali e sabia que não entendia certas questões culturais", conta Jessica Morgan, curadora britânica à frente da mostra. "Mas me esforcei para livrar a exposição de leituras e ideias mais simplórias."

Nesse sentido, alguns trabalhos são criados com fogo e encontram na destruição sua força expressiva, como as telas queimadas do alemão Otto Piene e do francês Yves Klein, que estão juntas das esculturas de argila calcinada de Anna Maria Maiolino, italiana radicada em São Paulo.

Labaredas à parte, os trabalhos mais fortes da mostra giram em torno da ideia de construção da identidade pelo consumo, como a sala que o chinês Jianyi Geng encheu de objetos descartados por seus amigos --roupas velhas, livros e afins aparecem catalogados com o nome de seu antigo dono e o motivo pelo qual foram jogados no lixo.

Outra reflexão ácida sobre o consumismo, associado aqui à ideia de obsolescência programada ou à queima de estoques, é a sala com pinturas do japonês Tetsuya Ishida, que retrata meninos ciborgues, fundidos a seus brinquedos tecnológicos, e esculturas do sul-coreano Xooang Choi.

Este último encheu um aquário de pedaços de bonecos desmembrados, numa avalanche tétrica, e pendurou cabeças com expressões sinistras em círculo no teto, rodeando os espectadores.

Não é pouca a estridência. Na mostra entendida como ritual de purificação, há espaço para ativismos de toda sorte, em especial o núcleo feminista, embora algumas obras não superem a ingenuidade.

Mais sutil, a obra do americano Charles Atlas em que retratou as juntas do corpo do dançarino Merce Cunningham fala de repetição e monotonia, documentando movimentos repetitivos como a base de possíveis revoluções.

Renata Lucas, artista brasileira que está na mostra, também reagiu à monotonia.

Em resposta à paisagem cinzenta de Gwangju, dominada por prédios de apartamentos idênticos construídos em série, ela rasgou uma janela numa parede cega do pavilhão, abrindo uma fresta para o exterior nesse prédio que se quer em chamas.

Na saída, o belga Carsten Höller criou um longo corredor de portas espelhadas, que multiplicam os caminhos. É um sinal de que o passado está refletido no futuro apesar de todos os incêndios.


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