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Mônica Bergamo

Ajeitadinha

Fotos Tomás Rangel/Folhapress
A atriz com um bigode postiço no camarim do seu teatro, o Poeira, no Rio
A atriz com um bigode postiço no camarim do seu teatro, o Poeira, no Rio

Quase cinquentona, Andrea Beltrão diz que melhorou com o tempo e adora ser mãe de adolescente. Com três filhos, a dona de teatro estreia nova peça

Andrea Beltrão entra no bar Manuel & Juaquim, na avenida Atlântica, em Copacabana, próximo ao seu apartamento, no posto 6. É tarde de sábado e chove no Rio. Está de jeans, óculos escuros, botas marrom, boné e trench coat Burberry. Pede um minutinho antes de começar a conversa e se desculpa por estar no celular. "Meu filho caçula [José, 12 anos] tá doente, com as amígdalas inflamadas. Talvez precise operar."

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Ela liga pro marido, o diretor Mauricio Farias, e pede para ele verificar se o farmacêutico que conhecem está de plantão. "Caramba, ele não tá comendo. Como vou fazer se meu filho tiver que operar amanhã?", pergunta à repórter Lígia Mesquita.

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A atriz pede um café expresso e uma água. Pega um sachê de açúcar e coloca como calço no pé da mesa que não para de balançar.

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Sua preocupação, comum às mães -além de José, tem Francisco, 17, e Rosa, 15-, ganha uma proporção maior, já que ela não pode ficar cuidando do garoto o dia todo. Naquela tarde, além de conversar com a coluna, iria para mais um ensaio de "Jacinta" -havia terminado o anterior às 2h30 da madrugada. E à noite apresentaria a peça a uma plateia de convidados durante o ensaio aberto.

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Na comédia musical de Newton Moreno, que estreou na sexta, no teatro Poeira, no Rio, e fica em cartaz até março, ela vive a portuguesa Jacinta. Considerada a pior atriz do mundo, é condenada à morte e foge para o Brasil. "Já me senti muitas vezes a pior atriz. Sou crítica. Erro." A peça deve chegar a SP em 2013.

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Os ensaios duraram três meses. Nesse período, continuou a gravar o seriado "Tapas & Beijos" (Globo), no qual interpreta a vendedora Sueli. E a cuidar dos filhos.

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"Adoro adolescentes. Tenho uma peninha. É muita inadequação. É um tamanhão de gente e tanta inabilidade, tanta bola fora", diz. Não é o tipo de mãe que pega no pé. "O grau da liberdade que eu dou é o da responsabilidade que me mostram. Não fico regulando 'Vai sair de novo?'. Morro de saudades, mas é assim mesmo."

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A carioca, que completa 50 anos em 2013, brinca que doará o corpo à ciência para descobrir como ela dá conta de tudo. E não vê a nova idade com medo. "Tô ótima. Ainda olho e acho bom [risos]. Não me acho bonita. Sou ajeitadinha", diz. "Melhorei bastante. Tenho saudade das minhas outras idades e do que de bom aconteceu comigo, mas não tenho nostalgia. Não penso: ah, naquela época tava melhor. Tô bem, tô feliz."

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O corpo sarado se deve à dedicação ao esporte, uma de suas paixões desde a adolescência. "Minha vida ideal é nadar meus 3.000 metros três vezes por semana, correr na areia, fazer minha ginástica, um pilates. E sair de noite."

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Seu dia ideal é quando vai à praia, almoça em uma churrascaria e assiste no estádio a uma partida do Flamengo. Sair para jantar fora é o que mais deseja assim que passar a estreia da peça. "Não vejo a hora de ir com o Mauricio, com a Marieta."

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Citada várias vezes, a Marieta é a Severo, ex-mulher de Chico Buarque e namorada de Aderbal Freire-Filho. Sua amiga, comadre ("É madrinha do Chico, meu filho") e sócia. As duas construíram, em 2005, o teatro Poeira.

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"É a maior doidice que eu e Marieta fizemos, mas é o maior prazer das nossas vidas. É muito bom fazer aquilo funcionar, ter vida."

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O Poeira, afirma, não é causa de preocupação. E as duas têm um plano B caso não consigam mais tocar o projeto. "Como estamos perto do cemitério [São João Batista, em Botafogo], podemos abrir uma casa de velórios. A gente oferece um bufê, uma música [risos]." E ainda tem o anexo, o Poeirinha.

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Os dois teatros não dão lucro às atrizes. "Se já tivemos prejuízo [risos]? O que eu respondo?", pergunta ao assessor. Ela mesma responde: "Digamos que é dedicação e dedicação. [A gente] Trabalha na TV e coloca o dinheiro no teatro". O esforço compensa. "É só alegria, uma parte prazerosa das nossas vidas, uma ilha da nossa amizade que ninguém frequenta."

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E nessa ilha, conta Andrea, quando uma das duas está exausta, não pode comparecer, a outra cobre os buracos. "Nunca precisei falar: Pô, Marieta, me ajuda."

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Marieta, 66, era convidada na primeira apresentação de "Jacinta", há uma semana. Quando a peça acabou e Andrea voltou para os cumprimentos, tomando uma cerveja, se abraçaram longamente. "Você canta muito!", elogiou a amiga espectadora.

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"Veja aqui ó, a nossa grande parceria", diz Marieta, abrindo os braços e mostrando o teatro. "A Andrea tem um talento enorme e não repousa sobre ele. Ela acredita na disciplina, no trabalho. Realizei muitas coisas porque a vida me deu essa amiga."

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Um pouco dessa disciplina Andrea mostrava na tarde do dia anterior, em um prédio de Ipanema. Na entrada, o porteiro informava: "Dona Andrea tá na aula. Ela vem toda semana, é gente fina".

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Três andares acima, a atriz abria a porta, garrafa de água na mão. Convidava a repórter para entrar e voltava para perto do piano.

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O professor, o tenor Victor Prochet, 80, que trabalha com ela há 15 anos, pede: "Agora com L". E Andrea cantalora: "Lálálááááá. Léléléééééé. Lílílílííííí. Lólólóóóó. Lulululuuuu".

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Em "Jacinta", ela canta e fala com sotaque português. "No começo achava uma merda. Agora, tô confortável. Mas gostar, não. Aí são mais dez anos de análise."

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Da aula de canto ela segue com seu motorista em um Peugeot sedã prata para o teatro Poeira. Um carro antigo passa ao lado, buzinando. "Meu sonho é ter um Maverick! Que lindo."

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O ensaio começa com o coreógrafo João Saldanha. Ela pede: "Não faz essa marcação em cena senão vou levar o maior coió [bronca] do Aderbal. Ontem já estive na pinta de ser demitida".

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O diretor aparece e sugere algumas mudanças. Andrea executa e ele elogia: "Excelente!". A atriz não acredita. "Excelente?!". Dá um gritinho e se joga no chão batendo as pernas de alegria.

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Na TV, quem a dirige é o marido, Mauricio Farias. Trabalharam juntos em "A Grande Família" e agora em "Tapas & Beijos". "É ótimo trabalhar com ele. Mas nunca fui mulher de diretor, não transo essa [posição]", afirma. "E é muito brega ficar numa relação de casal no set. Somos muito espertos para cair nessa bobagem."

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Outra cilada em que ela não cai mais é colocar alguém num pedestal. Local ocupado em sua adolescência por Fidel Castro e Che Guevara. "Hoje tô meio madura pra isso", diz. "Mas tem muitas pessoas que me fariam ficar gaga, trêmula, se eu encontrasse. Na categoria rock, o pessoal do Metallica."

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A atriz, que teve um tio perseguido na ditadura, achava impensável que um dia o Brasil fosse presidido por uma torturada naquele período. "É admirável. Na questão do caráter, acho Dilma [Rousseff] elegantérrima. É bonito ver que [a prisão] trouxe leveza. Ela não ficou carrancuda, amargurada."

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O ensaio recomeça. Andrea canta uma música que diz: "Salvas de palma não salvam o artista".

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"Adoro o aplauso, ser querida, mas acho que não acaba aí. Não se pode querer agradar a qualquer custo. Paga-se um preço lá na frente. Isso são filosofias de botequim, de Manuel & Juaquim", ri, com sotaque português."


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