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Cinema

Para Yuka, O Rappa 'é a maior banda cover de si mesma do país'

Em documentário que estreia hoje, ex-integrante do grupo mostra sua rotina após ter sido baleado em 2000

Em entrevista, artista fala do rótulo de herói e diz que fuma maconha no tratamento contra dores neuropáticas

LUCAS NOBILE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Certa vez, o poeta Waly Salomão (1943-2003) disse ao compositor Marcelo Yuka, 47, que ele deveria "aprender a seguir o caminho das setas". No dia 9 de novembro de 2000, as "setas" apontaram outros caminhos para Yuka.

Ele levou nove tiros de assaltantes no Rio, ficou paraplégico e até hoje luta contra fortes dores em seu corpo. Ele deixou a banda O Rappa por brigas por direitos autorais.

Sua vida foi filmada pela diretora Daniela Broitman em "Marcelo Yuka - No Caminho das Setas", que estreia hoje nos cinemas. Veja os principais trechos da entrevista concedida por Yuka à Folha.

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Folha - No documentário, você diz desejar que ninguém apareça chorando no filme. Você se preocupa em não ser retratado como vítima?

Marcelo Yuka - Não queria ser célebre pela vitimização e muito menos vestir essa capa do herói, que a mídia me deu de uma maneira que é difícil eu tirar. É uma queda de braço dia a dia. Por mais que eu diga que eu não fui salvar ninguém, se eu for atravessar a rua agora, vai ter alguém que vai dizer "esse é o cara que foi salvar a menina", entendeu?

Dizem que você tentou atropelar os assaltantes...

Chegou ao ponto de a própria menina me encontrar uma vez e falar: "Você não me reconhece?". Eu respondi que não. Ela: "Sou a menina que você salvou". Então eu disse: "Minha senhora, não salvei ninguém". Mas ela tem um pensamento, acho que é de cunho religioso, dogmático, que tenho que respeitar também, de que o destino [de ser baleada] estava pra ela, mas eu acabei absorvendo. Não tenho essa crença, então não posso compactuar com essa verdade.

Você acha que o filme fez um retrato fiel do que é sua vida?

Acho que o filme foi muito gentil comigo. Devia ter mais gente falando mal. Esse não é um filme meu, é um filme dela [a diretora Daniela Broitman], e ela tem o direito de fazer o recorte que quiser. Também tem a coisa de condensar a vida inteira de uma pessoa em 70 minutos. Você diz: "Eu não sou só isso".

A sua saída da banda O Rappa foi bem retratada no filme?

Foi bem honesta. Tudo o que eles [integrantes d'O Rappa] alegam endossa o meu ponto de vista. Escrevi "Ninguém Regula a América" no hospital. Você vê no vídeo que eu tenho dificuldade para falar. Você querer naquele momento que a pessoa fique horas trabalhando é desgastante. Eu acho que O Rappa é a maior banda cover de si mesma do país. Ficam tentando emular o que já foram no passado. Como são bons músicos, conseguem.

Você hoje, quase 12 anos após ter recebido nove tiros, ainda sente dores no corpo?

Muita. Até o último dia vai ter essa briga. Nunca fui usuário de droga, mas meu médico me sugeriu. Há pesquisas interessantes sobre a maconha em relação à dor do câncer. Daí descobri o uso medicinal da maconha.

Não gosto de ficar chapado, mas ela funciona para [diminuir] a dor. É uma pena que a cidade já me obrigue a urinar na ilegalidade. Mijo dentro do carro porque não existem banheiros acessíveis. E ter que curar minha dor na ilegalidade é extremamente ingrato.

Atualmente, há mais ou menos violência no Rio de Janeiro em relação à época em que ocorreu a tragédia com você?

A mudança mais emblemática é que o número de armas de fogo na mão dos traficantes diminuiu, mas o tráfico de drogas, não. Me dou o direito de não querer viver perto de arma. Arma de fogo não protege. Chamo essa pacificação [via unidades policiais em favelas] de simbólica. Não acredito em pacificação por arma de fogo. Há outros interesses por trás, existe um êxodo urbano que há muito não se via.

Você tem intenção de se candidatar a um cargo político?

Nunca tive pretensão política. O [candidato à Prefeitura do Rio neste ano Marcelo] Freixo é meu amigo, ele pediu para ser seu vice. Realmente acredito nele, que a gente está diante não de um político, mas de um estadista, de alguém que transcende até mesmo a coisa partidária.

E seus projetos? Você ainda está gravando seu novo disco?

Sim. Eu já fiz vários, só que não saíram. Quero que o trabalho que eu faço me soe como novo, como uma coisa que eu não tenha feito antes. Produzi várias pessoas, compus para outras, estou fazendo uma coletânea. Para o ano que vem, a história vai ser artes plásticas, tô amarradão.

Você acaba de lançar seu primeiro livro de poesia, "Astronautas Daqui" (Leya, 336 págs., R$ 45,90), em que aborda problemas sociais. É um tema recorrente em seus projetos...

Minhas letras são voltadas para esses temas, mas não é só isso. Escrever poesia serve para dar vazão. Aprendi uma coisa com a cadeira de rodas: o amor como ferramenta é um objeto contundente. É como se eu tivesse esse amor como um colete salva-vidas, mas nunca soubesse inflá-lo. A cadeira de rodas me deu isso.


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