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Crítica Drama

Haneke chega ao ápice da carreira com 'Amor'

Cineasta faz retrato duro e seco da velhice, mas prova que é preciso muito pouco para fazer um grande filme

RICARDO CALIL CRÍTICO DA FOLHA

É UM FILME DE AMOR PORQUE TRATA DO MAIS NOBRE e DECANTADO DOS SENTIMENTOS SEM CINISMO OU ARTIFICIALIDADE

Desprezo. Covardia. Intolerância. Fobia. Sadomasoquismo. Do cineasta austríaco Michael Haneke, podia-se esperar um filme sobre qualquer uma dessas manifestações de mal-estar da civilização.

Mas, como se sabe, seu novo trabalho chama-se "Amor". E, de fato, este é um filme de amor e um filme de Michael Haneke. Parece evidente, está no título e nos créditos. Mas não é.

É um filme de amor porque trata do mais nobre e decantado dos sentimentos sem cinismo ou artificialidade.

É um filme de Haneke porque fala de amor sem edulcoração ou sentimentalismo. E porque, ao contrário do que alguns críticos estrangeiros sugeriram, não representa um desvio de rota em relação a sua obra pregressa.

Em trabalhos como "Violência Gratuita" (1997), "Caché" (2005) ou "A Fita Branca" (2009), Haneke notabilizou-se por dissecar alguns dos aspectos mais negativos da condição humana quando submetida a condições extremas.

Em "Amor", o cineasta faz o mesmo, apenas inverte o polo, falando de pessoas que reagem dignamente à adversidade. No caso, Georges

(Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), professores de música aposentados e octogenários.

PACATO E AFETUOSO

O casal vive uma rotina pacata e afetuosa em seu apartamento em Paris até o dia em que Anne tem um problema de saúde e entra em um acelerado processo de decadência física e mental, levando Georges a dedicar-se integralmente à saúde da companheira.

Em um dado momento, Georges e Anne chegam a um impasse: ela quer morrer, ele quer que ela viva -e Haneke, então, questiona-nos se entregar-se ao desejo do outro, e sufocar o próprio, nessa situação-limite pode significar a prova de amor definitiva.

Poucas vezes o cinema de ficção fez um retrato tão duro e tão seco da velhice -aqui, não cabem eufemismos como "melhor idade". E, justamente por pintá-la com tintas tão realistas, cada ato dos personagens -um passo ou uma colherada- se torna mais excruciante e comovente.

O trabalho de Riva, a estrela de "Hiroshima, Mon Amour" (1959), foi muito -e merecidamente- elogiado, por sua transformação física para enfrentar o holocausto caseiro de Anne.

Mas o de Trintignant, de "O Conformista" (1970), não é menos notável, com sua materialização da devastação psicológica de Georges.

Com "Amor", Haneke prova que às vezes é preciso muito pouco -um apartamento e dois excelentes atores- para fazer um grande filme e chegar ao ápice de uma carreira.

Se seus trabalhos anteriores obedeciam a uma lógica perversa (quanto pior para a humanidade, melhor para o meu cinema), este conseguiu escapar dessa sina, aumentar seu grupo de admiradores (com quatro indicações ao Oscar) e deixar mais evidentes suas virtudes como cineasta. O amor caiu bem a Haneke.


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