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Crítica teatro

Peça de Maiákovski é exemplo de invenção formal da revolução

"Mistério-Bufo" exalta processo de 1917 na Rússia com analogias bíblicas

LUIZ FERNANDO RAMOS CRÍTICO DA FOLHA

Dramática revolucionária. A publicação de "Mistério-Bufo", peça do poeta russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930), revela uma dramaturgia criada nos primeiros anos da revolução soviética.

O texto é exemplar da síntese de engajamento político e invenção formal que prevaleceu no período.

Escrita e montada inicialmente em 1918, a peça foi reescrita e encenada de novo em 1921.

É esta segunda versão que a pesquisadora Arlete Cavaliere traduz para o português, pela primeira vez diretamente do russo, e apresenta com um denso posfácio -"O Teatro de Maiakóvski: Mistério ou Bufo?"- em que situa o texto na obra do poeta e em seu contexto histórico.

A pergunta em torno do gênero da peça procede, já que, além de parodiar a estrutura dos mistérios medievais, o autor utiliza elementos da farsa popular e dos teatros de feira, mais afeitos à bufonaria.

O poeta exalta o processo revolucionário em curso utilizando a analogia das narrativas bíblicas do teatro medieval, em que os heróis ascendem do inferno ao paraíso e à redenção, mas sem abrir mão do registro cômico e da ironia feroz contra os que querem deter o avanço da revolução.

Dois coros, o dos puros -formados por inimigos declarados da União Soviética no plano internacional- e dos impuros -vários tipos de trabalhadores- se veem colhidos por um dilúvio e, numa arca salvadora, disputam o controle da nave.

Depois de passarem pelos estágios ascensionais da mística cristã, e já sob o controle dos impuros, vão além do paraíso alcançando a terra prometida, o socialismo.

É lá que o empréstimo da alegoria como procedimento dramático alcança seu momento mais criativo e paradoxal. Os personagens que recebem os vitoriosos navegantes são "coisas", como máquinas, trens e automóveis, que explicam ao perplexo coro de impuros que todos os seus problemas se acabaram.

UTOPIA SOCIALISTA

À parte as ironias e jogos de linguagem geniais de Maiakóvski, e sem levar em conta o trágico destino do poeta, que suicidou-se desencantado com os rumos da revolução, não deixa de ser curioso que a utopia socialista realizada se apresentasse ali como o império dos objetos, humanizados e cúmplices da causa.

Outro aspecto relevante para o leitor brasileiro é perceber o quanto esta peça reverberou no nosso teatro.

São visíveis os rastros de "Mistério-Bufo" em pelo menos duas peças de Oswald de Andrade (1890-1954), "O Homem e o Cavalo" e "A Morta", e na poética cênica do teatro Oficina, estabelecida nos textos de José Celso Martinez Corrêa.

Trata-se, enfim, de um texto que antecipa os rumos do teatro político no século 20 e dialoga com o nosso tempo. Em nota inicial, Maiakóvski pede aos futuros encenadores que "mudem o conteúdo, façam-no contemporâneo, atual, imediato".

MISTÉRIO-BUFO
AUTOR Vladimir Maiakóvski
EDITORA 34
TRADUTORA Arlete Cavaliere
QUANTO R$ 39 (200 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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