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Baixista fotógrafo flagra intimidade do jazz
Exposição em Nova York reúne imagens de ícones da música registradas por Milt Hinton
Por quase seis décadas, o baixista Milt Hinton (1910-2000) fotografou as lendas do jazz em poses desprevenidas. "Se um músico quisesse ser retratado para divulgar o seu trabalho, teria de sorrir e fingir que tocava o instrumento", disse Hinton em 1999. "Nunca me interessei por esse tipo de imagem."
Ele se propunha a "capturar algo diferente: os jazzistas quando baixam a guarda". Em 1959, enquanto acompanhava Billie Holiday em gravações num estúdio de Nova York, o instrumentista retratou o semblante alquebrado da cantora.
"Olhando para Billie, podia ver como estava frustrada consigo mesma", relatou. "A qualidade da sua voz se fora e ela sabia disso melhor do que ninguém." Foi a última sessão de Holiday, morta em decorrência de cirrose.
Essa imagem integra "Inside Jazz: Photographs by Milt Hinton", exposição em cartaz na Saint Peter's Church. Localizada em Manhattan, a igreja luterana adota o jazz em cerimônias e abriga shows gratuitos semanais.
Trinta fotos, selecionadas entre cerca de 60 mil, mostram os jazzistas em diferentes situações -na estrada, em casa, no estúdio, em festas, no palco. "Escolhemos as imagens que ele marcava com caneta vermelha", diz David G. Berger, diretor da coleção. "Eram suas preferidas."
Hinton era admirado por seu profissionalismo e sua generosidade, segundo Berger, amigo do baixista por mais de 40 anos. "Daí ele ter acesso a cenas tão intimistas."
BEM À VONTADE
No livro "Playing the Changes", Hinton conta que, "sendo um músico contratado, podia fotografar à vontade". "Não me lembro de ninguém pedir para que eu parasse."
Tratado como "decano dos baixistas", Hinton ganhou o apelido "O Juiz", pois era o primeiro a chegar ao estúdio e se vestia impecavelmente.
Ele fez sua estreia profissional em 1936, quando foi contratado pelo bandleader Cab Calloway. No ano anterior ganhara de presente uma câmera Argus C3. Uma década e meia depois, parou de atuar com Calloway, considerado "um pai musical".
Um dos primeiros baixistas a solar em uma gravação, Hinton tocou com inúmeros mitos do jazz: Louis Armstrong, Duke Ellington, Benny Goodman, Dizzy Gillespie, Count Basie, Ella Fitzgerald. Durante sua carreira calcula ter participado de quase mil discos.
Ele dizia ser humilde a sua função. "Devo ficar feliz em segundo plano, tocando um instrumento que é a base para os outros." Com a mesma discrição, Hinton congelou em imagens os momentos singelos da história do jazz.