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Cadeirantes tocam site para deficientes

Sem o movimento dos braços, fundador mantém loja utilizando um lápis ligado a uma haste que permite digitar

'Muitas pessoas saem do hospital sem saber o básico. Falamos que temos deficiência e já facilita o diálogo', diz

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Sentado em sua cadeira de rodas e trabalhando em um escritório montado em casa, o empresário João Pacheco, 58, tem como meta mandar seus produtos para o mais longe que puder.

Para isso, seus instrumentos de trabalho são um telefone, um computador e um capacete que foi desenvolvido sob medida. Como não tem os movimentos dos braços, o instrumento tem uma haste metálica e um lápis pendurado na ponta, o que lhe permite digitar mexendo o pescoço.

Sua empresa, a Como Ir!, vende pela internet e por telefone produtos para pessoas com deficiência, desde cadeiras e acessórios até sondas urinárias e itens cotidianos, como talheres adaptados.

Criada em 2007 por João, mais tarde ganhou como sócio o amigo Renato Laurenti, 50, também cadeirante.

João diz que, no início, a opção pela internet ocorreu por causa da dificuldade de cumprir com toda a legislação para a abertura de loja. A opção se mostrou eficaz.

"Eu percebi que era muito difícil comprar tudo o que precisava em São Paulo. Preciso de cadeira de rodas, sondas, transferidor. Cada coisa dessas acaba sendo comprada em uma loja. Se aqui é assim, imagine para quem mora na região Norte."

O conhecimento de causa sobre a a deficiência é importante para a dupla. Eles contam que é muito comum clientes ligarem sem saber bem o que precisam e serem orientados pelos dois.

"Muitas pessoas saem do hospital sem saber coisas básicas --que tem de ter uma almofada legal, por exemplo. Ligam pedindo uma quantidade de coisas que vão demorar anos para usar, por não ter noção. Falamos que temos deficiência e isso já facilita o diálogo."

Atualmente, a Como Ir! trabalha com 90 fornecedores. Além dos sócios, a equipe conta com mais três pessoas que ajudam nas vendas e administração da empresa, inclusive a filha de João, Amanda, 21.

João diz que trabalha sete horas por dia, não mais porque não pode ficar muitas horas na mesma posição.

OFICINA

Para o futuro, Renato diz que gostariam de encontrar um espaço físico para fazer uma oficina e um showroom.

Doutor em medicina veterinária, João perdeu os movimentos há 15 anos, ao quebrar o pescoço pegando onda na praia. Especialista em ortopedia, na hora do acidente já entendeu a sua gravidade, diz.

Demorou três anos para que conseguisse voltar a trabalhar, desta vez coordenando a abertura de um laboratório para exames veterinários em Santos (SP).

Mas o desgaste com a locomoção, feita em táxi adaptado que transportava mais passageiros e levava três horas para fazer a viagem, afetou sua saúde e o impediu de continuar.

Também participou da criação de uma ONG que promovia o acesso ao lazer de pessoas com deficiência, chamada Dá Para Ir, junto com uma namorada.

Já para Renato, que ficou paraplégico aos 22 em acidente de carro, a retomada das atividades foi mais lenta.

"Assim que sofri o acidente, uma profissional me disse que nunca mais iria andar e ter vida sexual, que precisava aprender a pintar com a boca. Aquilo me fez um grande mal. Pensei que só poderia voltar a ser uma pessoa se voltasse a andar."

Esse desejo ocupou dez anos de sua vida, nos quais passava até 12 horas por dia fazendo fisioterapia.

"No final, consegui dar alguns passos, mas de um modo pouco funcional", diz. "Mas consegui voltar à vida, gostar de novo de mim."

Para ele, apesar de ainda serem necessárias evoluções na sociedade, hoje as condições para que uma pessoa com deficiência tenha uma vida autônoma são melhores do que há 30 anos, quando sofreu o acidente.

E, rindo, responde ao ouvir o amigo, que ironiza o fato de ele ter capotado o carro em uma reta.

"Pelo menos eu me quebrei em algo mais duro do que água."


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