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Fome de crescer

Explosão populacional acompanhada de consumo torna Nigéria cada vez mais atrativa para investidores antes descrentes, apesar de instabilidade e problemas de infraestrutura persistirem

XAN RICE DO "FINANCIAL TIMES"

Há 20 anos, poucos nigerianos haviam ouvido falar de macarrão instantâneo.

"As pessoas achavam que estávamos tentando convencê-las a comer vermes", diz Deepak Singhal, diretor executivo da Dufil Prima Foods, a primeira companhia nigeriana a fabricar esse prato barato no país, em 1996.

Hoje, lamen é um negócio de US$ 600 milhões anuais na Nigéria e está entre os pratos mais populares do país.

Sinal do apetite pelo produto é o Hungry Man ("homem faminto"), um pacote de 210 gramas feito pela Dufil que é a maior embalagem do produto no mundo.

A companhia, que conta com 70% de participação no mercado local, estima que metade dos nigerianos tenha experimentado seu produto, e que 15 milhões de pessoas o consumam regularmente. Em 2012, foram 1,6 bilhão de pacotes, mais que em qualquer país não-africano, exceto EUA, Brasil e Rússia.

O sucesso da Dufil ilustra por que os investidores estão tão empolgados com a Nigéria, sobretudo no que tange consumo. A companhia mostrou que é possível superar os muitos desafios de produzir no país oeste-africano e que as rápidas mudanças demográficas ali são um trunfo.

A Nigéria é o país mais populoso da África, com quase 170 milhões de habitantes, que a ONU estima que cheguem a 440 milhões em 2050. Em 2100, deve ter a segunda população mundial.

A economia neste ano deve crescer, como na maior parte dos 10 últimos anos.

"É um lugar difícil para fazer negócio e onde é preciso alguém que o oriente", diz Singhal em seu escritório em Lagos. "Mas demograficamente não há erro: uma imensa população e a segunda maior economia africana".

Não são só os fabricantes de macarrão instantâneo que prosperaram no país. Produtores de todo tipo de bens, de cerveja e achocolatados a cimento, viram as vendas dispararem nos últimos anos.

Isso forçou os investidores, que por tempo rejeitaram a Nigéria, a prestarem atenção.

Com a recessão mundial reduzindo os retornos nos países desenvolvidos e nas grandes economias emergentes como a China e o Brasil, os administradores de fundos despejaram dinheiro na bolsa de valores nigeriana.

O índice local de ações subiu mais de 70% em 12 meses, e ações de fabricantes de bens de consumo subiram mais (a Cadbury-Nigeria registrou alta de quase 300%).

"Cresceu o interesse dos especialistas em fronteiras e dos fundos de mercados emergentes", diz Graham Stock, estrategista-chefe da Insparo Asset Management, cujo foco é a África e o Oriente Médio. "Não há muitos lugares no mundo crescendo em 7% e onde exista expectativa razoável de que esse ritmo seja mantido por anos".

DESAFIOS

A Nigéria ainda oferece riscos. Uma insurgência islâmica no norte custou milhares de vidas e prejudicou a economia da região. A corrupção continua endêmica, e a política do país é polarizadora.

Roubos de petróleo em escala industrial impedem que o governo economize recursos para futuras crises e expõem o país a quedas dos preços do petróleo cru. Embora a infraestrutura esteja melhorando, continua a ser precária e a prejudicar os negócios.

Mas a dimensão do mercado torna tudo isso superável, como mostrou a Dufil.

A sorte da empresa virou após o fim da ditadura e a ascensão do governo civil, em 1999, e desde 2003 a média de crescimento da Dufil tem sido de 30%, graças à pesada campanha de marketing e à expansão populacional (50 milhões de habitantes no período, uma África do Sul).

Antes única produtora de macarrão instantâneo na Nigéria, a empresa agora tem 16 concorrentes --boa notícia em uma economia tradicionalmente hostil à indústria.

A evolução da Nigéria como produtora de petróleo, desde a independência, em 1960, veio acompanhada por um declínio no setor agrícola e na infraestrutura.

Os portos estão congestionados, e a rede de estradas dilapidada. A escassez de energia é crônica (Bangladesh, país de população semelhante e com menos de metade do PIB da Nigéria, produz quase duas vezes mais energia per capita).

Para contornar o problema, a Dufil gera a energia de suas três fábricas utiliza, bem como a que abastece sua refinaria de óleo de palma e sua central de embalagem.

Mas o tamanho do mercado nigeriano significa que vale a pena fabricar no país.

"Nós agimos assim, a Unilever e a Nestlé agem assim", diz Singhal. "Se você quer expandir vendas, precisa fabricar localmente. De outra forma, estará operando no ramo de transportes".

A explosão populacional pode ser boa para os negócios mas desafia o governo.

A despeito da economia em alta, o índice de pobreza caiu apenas marginalmente, de 64% para 63%, de 2004 a 2010, segundo o serviço de estatística nigeriano.

DESEMPREGO

A população jovem-- cerca de 44% dos nigerianos têm menos de 15 anos-- é mencionada pelos economistas como motivo para que a Nigéria e outros países da África subsaariana talvez tenham vantagens sobre o resto do mundo nas próximas décadas.

Mas isso só será um ativo caso haja empregos a ocupar.

Na Nigéria, o índice oficial de desemprego é de 24%, e está em alta. Entre as pessoas dos 15 aos 24 anos, ele chega a 37%, uma estatística que preocupa pessoas como Ngozi Okonjo-Iweala, a ministra das Finanças.

"Precisamos de um crescimento de PIB da ordem de 8% a 10% ao ano a fim de resolver o problema de desemprego que o país enfrenta", disse ela recentemente.

A falta de perspectivas para os jovens foi mencionada como um dos motivos da insurgência do grupo islâmico Boko Haram, no norte da Nigéria, em uma campanha que custou quase quatro mil vidas nos últimos quatro anos.

O impacto geral do levante sobre a economia vem sendo limitado até o momento porque os campos de petróleo e a maior parte das empresas ficam no sul. Mas os fabricantes de bens de consumo sofreram, pois a violência leva o comércio a fechar.

O desempenho macroeconômico da Nigéria no ano passado foi "no geral positivo", segundo o Fundo Monetário Internacional. Mas a economia continua vulnerável a choques do petróleo.

A produção de petróleo cru caiu para 2 milhões de barris ao dia, ante os 2,5 milhões previstos no Orçamento.

Esse deficit se deve em parte ao roubo de mais de 150 mil barris diários, e forçou o governo a recorrer à sua conta de poupança das divisas arrecadas com o petróleo.

A outra grande ameaça à economia é política.

A eleição presidencial está marcada para 2015, mas as trocas de acusações e manobras já estão em curso.

A despeito da relativa estabilidade fiscal e dos esforços para reformar o setor de energia, críticos do presidente Goodluck Jonathan se queixam de que ele é ineficaz.

Bismarck Rewane, diretor executivo da Financial Derivatives, uma consultoria de Lagos, sente que o país está ingressando em um período de risco político intenso.

"Chegamos ao ponto em que os grandes grupos étnicos da Nigéria talvez prefiram decidir juntos quem dirige o país a permitir que o governo esteja nas mãos de alguém que considerem medíocre".

Singhal, porém, se mostra despreocupado.

Afinal, lembra, não importa o que aconteça: os nigerianos ainda precisarão comer.


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