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Marcelo Miterhof

Patentes sem abusos

Decisão de Obama sobre a Apple pode indicar flexibilização da posição dos EUA sobre patentes

O governo Obama revogou neste mês uma decisão tomada pela ITC --sigla em inglês para Comissão de Comércio Internacional--, que havia proibido a importação pela empresa americana Apple de versões do iPad e do iPhone 4 produzidas na China, beneficiando a sul-coreana Samsung, que tem produção no Texas, num lance de uma longa batalha que as empresas travam em torno de patentes.

No caso, está em jogo uma tecnologia, patenteada pela Samsung, que permite que vários dispositivos façam transmissões simultâneas, via banda larga de celular.

A ITC é uma agência governamental americana que analisa disputas comerciais com mais celeridade que a Justiça. Desde 1987, o governo americano não revertia decisão da ITC. A alegação por tê-lo feito agora é que a suspensão das importações teria impacto sobre as condições de concorrência no EUA. Além disso, como a Samsung pode manter sua demanda na Justiça, o governo crê que possíveis problemas estão minorados.

As versões de tablets e celulares em disputa, mesmo não sendo as mais recentes, são bem vendidas. Por isso, as ações da Samsung caíram de imediato quase 1%.

Os EUA, por sua liderança econômica e tecnológica, costumam defender regimes estritos de patentes. Há no episódio uma preocupação com os interesses comerciais de uma empresa americana. No entanto, ele também pode indicar flexibilização da posição do país sobre patentes.

O dilema básico de um sistema de patentes é fazer um balanço apropriado entre a remuneração do trabalho intelectual, importante para incentivar as inovações, e a proteção do interesse público e da concorrência, que a patente limita ao criar um monopólio de pelo menos 20 anos, período longo demais para a rapidez que as inovações tecnológicas costumam ter em vários setores.

É difícil estabelecer um regramento inequivocamente justo. Na prática, prevalecem os interesses de cada país.

O problema é que, para fazer parte da OMC, um país precisa ser signatário do Trips, o acordo internacional sobre propriedade intelectual, que regula de maneira bem estrita as exigências mínimas que devem ter as leis nacionais --por exemplo, a validade de pelo menos 20 anos de uma patente e a possibilidade de o titular proibir um terceiro de usar o objeto patenteado.

É contra uma interpretação rígida desta última regra que se opõe a recente decisão do governo Obama, que prefere punições monetárias contra infrações a patentes, e não a proibição de vender produtos, que é um golpe muito duro na competição.

Outra de suas preocupações é conter a atuação de escritórios de patentes cuja especialidade é promover ações judiciais. O objetivo declarado é defender inventores, mas o governo americano entende que essas ações se tornaram em boa medida frívolas, visando a especular contra grandes firmas.

Isso ocorre, entre outros motivos, porque os EUA permitem e incentivam que qualquer coisa seja patenteada, mesmo que seu resultado seja demasiadamente incremental. Com isso, há uma proliferação de monopólios, que também acabam inibindo o processo inovativo e elevando os preços de produtos que precisam utilizar várias patentes.

Essa mudança de ênfase da política americana deveria incentivar outros países, como o Brasil, a se posicionar mais fortemente contra o abuso de patentes.

Um caminho possível é tornar mais exigentes os requisitos para a concessão de patente, evitando aceitar inovações muito incrementais.

Outro caminho possível é usar mais frequentemente o licenciamento compulsório. Ele é permitido pelo Trips e pela lei brasileira para casos em que há interesse público ou ocorre comercialização insatisfatória, abuso de poder econômico etc.

Em fármacos, o licenciamento compulsório permite reduzir o custo de desenvolver uma tecnologia no país. Por vezes, apenas a sua ameaça serve para evitar abusos no caso de um licenciamento voluntário.

A tarefa não é simples. Exige, por exemplo, identificar empresas capazes de fazer a produção localmente e garantir acesso à matéria-prima. No Brasil, isso já ocorreu com o efavirenz, o principal medicamento de combate à Aids. Não faltam exemplos de outros medicamentos em que essa medida poderia ser aplicada, favorecendo a saúde pública e o desenvolvimento industrial.

marcelo.miterhof@gmail.com


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