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Samuel Pessôa

Câmbio e crescimento

O câmbio não deveria ser variável de política econômica, com função de auxiliar a economia a crescer

Há algum tempo ganhou corpo no debate público brasileiro o tema da importância da política cambial para o crescimento. Essa é uma questão muito complexa. Certamente, tratar do tema câmbio e crescimento demandará mais do que uma coluna.

Meu posicionamento é que não há relação direta entre câmbio e crescimento. Dessa forma, a taxa de câmbio não deveria ser variável de política econômica, com função de auxiliar a economia a crescer.

Simplificando muito o assunto, pode-se afirmar que há duas grandes tradições na interpretação do processo de crescimento econômico. A primeira, liberal, tributária do pensamento de Adam Smith, considera que o crescimento é consequência natural de uma sociedade que consegue construir instituições corretas.

Como escrevi na coluna de 19 de janeiro, na base do desenvolvimento econômico encontra-se um marco jurídico, legal e institucional que induza ações dos agentes econômicos que tenham retorno para a sociedade compatível com o retorno individual.

O marco legal e institucional que resulta em níveis elevados de renda per capita pressupõe que o Estado funcione adequadamente. Isso significa tributar com parcimônia e gastar com sabedoria recursos escassos. Promover uma Justiça rápida, previsível e, de fato, justa. Oferecer serviços públicos de qualidade nas áreas de saúde, educação e segurança. E, com o setor privado, ofertar serviços de utilidade pública e infraestrutura física em geral de qualidade.

Para essa leitura do processo de desenvolvimento econômico, não é importante, para determinar o nível de renda per capita de longo prazo da economia, o que exatamente a economia produz --se chips ou potato chips--, na conhecida formulação bem-humorada de Luiz Carlos Bresser-Pereira.

A segunda tradição, tributária da contribuição de Friedrich List, economista alemão da primeira metade do século 19, assevera que a especialização produtiva é essencial para determinar as possibilidades de crescimento de uma sociedade. Um país que se especialize na produção de certos tipos de bem estará condenado ao subdesenvolvimento mesmo que consiga, por exemplo, construir as tais instituições que geram eficiência econômica.

Na América Latina, a tradição de List foi retomada na Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), órgão da ONU sediado em Santiago, Chile, responsável por contribuir para o desenvolvimento da região.

Sob a liderança intelectual do economista argentino Raul Prebisch, desenvolveu-se na Cepal o estruturalismo latino-americano, que teve em Celso Furtado seu mais destacado e influente seguidor.

A tese central do estruturalismo cepalino era que a especialização em bens primários nos condena à pobreza. O motivo é que a demanda do resto do mundo por bens primários cresce a velocidade inferior à da renda.

Se 200 milhões de brasileiros se especializarem em plantar café, o preço internacional do produto será nulo. Consequentemente, a renda tenderá a zero. Esse é o pesadelo cepalino.

Nesse ponto, juntam-se ao debate duas diferentes leituras da contribuição de Keynes.

A leitura liberal de Keynes, que ficou conhecida como síntese neoclássica-keynesiana, entende que as políticas macroeconômicas são importantes para suavizar o ciclo econômico, mas não têm relevância para determinar o desempenho de longo prazo da economia.

Se mal conduzidas, podem condenar o país à estagnação ou até à forte regressão econômica. No entanto, não assumem papel ativo em estimular o crescimento. Qual um bom juiz de futebol, quanto menos aparecerem ao longo do jogo, melhor serão.

A leitura mais intervencionista de Keynes alega que as políticas macroeconômicas têm papel decisivo na definição da trajetória de crescimento da economia.

O debate da relação entre câmbio e crescimento ocorre nesses campos. De um lado, a associação do estruturalismo latino-americano com uma particular leitura das contribuições de Keynes; do outro, a leitura liberal do desenvolvimento econômico de Adam Smith, atualizada pelo novo institucionalismo do Prêmio Nobel Douglas North, associada a certo ceticismo ao ativismo macroeconômico.


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