Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Análise
Desigualdade entre países deve aumentar
Nações desenvolvidas são as que concentram cada vez mais as funções de agregação de valor e customização
Em seu celebrado livro "Capital in the Twenty-First Century", o economista francês Thomas Piketty fez contribuição importante ao explicar a evidência de aumento da concentração da riqueza numa perspectiva funcional e de longo prazo.
Mas o livro de Piketty é útil para explicar a desigualdade especialmente dentro de países desenvolvidos.
Já o problema de países em desenvolvimento é a tendência de aumento da desigualdade entre países, a qual decorre, dentre outros, da mudança da natureza dos bens que consumimos, da integração dos mercados e da forma como aqueles bens são produzidos e comercializados.
De fato, consumimos, e cada vez mais, bens com conteúdo crescente de serviços.
Trata-se de duas famílias de funções de serviços "embarcados" --os serviços de custos, como terceirização da produção, montagem e logística, e os serviços de agregação de valor e customização, como pesquisa e desenvolvimento, inovação, projetos, design, marcas e marketing.
A questão é que a segunda família de serviços leva porção elevada e crescente do valor final dos bens --no caso do iPad, por exemplo, eles são 93% do valor final.
Peças, serviços de montagem e logística ficam com os restantes 7%.
Diferentemente do que estamos acostumados a ouvir --que a desigualdade de renda entre países se explicaria, ao menos em parte, pela modéstia do setor industrial e magra participação em cadeias globais de valor--, hoje, países em desenvolvimento recebem vultosos investimentos industriais e são componentes fundamentais daquelas cadeias.
O problema é que aquela participação se dá, e cada vez mais, por meio das funções de custos, enquanto as funções de agregação de valor e customização estão concentradas nos países desenvolvidos. Por isso, é muito provável que a desigualdade entre desenvolvidos e em desenvolvimento volte a aumentar assim que os efeitos da crise financeira se dissiparem.
Essa nova dinâmica do capitalismo não se contrapõe às conclusões de Piketty acerca da concentração da riqueza e suas implicações para os países ricos --o desafio deles é como repartir a renda que para lá está fluindo.
Já o desafio de países como o Brasil é desenhar estratégias que lhes permitam romper com a armadilha em que estão metidos e crescer mais e de forma sustentada dentro do contexto da economia global.
Uma estratégia promissora é a de se integrar mais à economia mundial para se beneficiar das muitas oportunidades ainda disponíveis de acesso à tecnologia, conhecimento e investimentos que podem contribuir para elevar a densidade industrial.
Países com mercados internos grandes e em expansão e com maior potencial de industrialização das suas vantagens comparativas, como o Brasil, terão melhores perspectivas de sucesso na empreitada. Mas essa estratégia poderá não ser suficiente.
Em vista da crescente importância da tecnologia para as perspectivas de crescimento e para determinar a distribuição da renda entre países, será preciso integrar as discussões sobre comércio e competitividade à agenda do desenvolvimento, incluindo as dimensões da tecnologia, inovação e capital humano.