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Cifras & Letras
CRÍTICA ECONOMIA
Obra trata política econômica entre a galhofa e a melancolia
Com ironia e desencanto, ex-presidente do BC traz 74 leis da economia
Uma parcela considerável da verve de Franco tem origem na frustração, comum entre seus pares mais ortodoxos, com o prestígio local de teses e opiniões não convencionais
"Quanto mais a autoridade explica, mais se arrisca. Ao falar, não falar. E, quando a autoridade for forçada a explicar, deve ser sintética, afirmativa e evasiva."
Gustavo Franco, que enuncia a 15ª de 74 leis da política econômica, deixou de ser autoridade -mais exatamente, presidente do Banco Central- em janeiro de 1999, com o abandono do controle das cotações do dólar que sustentava o Plano Real.
Livre da regra do silêncio, que, aliás, nunca havia seguido ao pé da letra, misturou, semanas depois, balanço e desabafo em um longo discurso com ataques à esquerda, à direita, a políticos, a entidades empresariais, jornalistas, acadêmicos e especuladores.
"As Leis Secretas da Economia" (Zahar), organizadas em livro por Franco, retomam vários dos temas daquela diatribe, acrescidos de outros obstáculos e aparentes anomalias com que se deparam os encarregados de decidir e reformar, em particular, no Brasil.
A agressividade de antes, no entanto, é substituída por ironia e desencanto, deboche e ceticismo. Ou, como nas palavras de Machado de Assis, referência cara ao economista, "a pena da galhofa e a tinta da melancolia".
Franco retoma e multiplica uma lista iniciada nos anos 1960 por Roberto Campos (1917-2001), ícone do pensamento liberal no país, e Alexandre Kafka (1917-2007), que por três décadas foi representante brasileiro no Fundo Monetário Internacional.
O segundo era parente distante do escritor tcheco de nome Franz e sobrenome transformado em adjetivo -uma oportunidade para descrever normas kafkianas, absurdas à primeira vista, mas coerentes com as lógicas do poder e do aparato do Estado.
Pela décima lei de Kafka (Alexandre, mas poderia ser Franz) e 35ª na contagem de Franco, "o ente burocrático é indestrutível". Repartições públicas são perpétuas e resistentes a qualquer reforma.
"A burocracia é um objetivo em si, um animal que se alimenta das próprias entranhas, e a única mudança que admite, mesmo assim com notável desconfiança, é a sua própria expansão."
Nesse cenário convivem políticos oportunistas, empresários interesseiros, ministros e nomeados que estão apenas de passagem e não veem vantagem em conhecer sua função, orçamentos nunca cumpridos e regulamentos de procedência misteriosa a cada dia no "Diário Oficial".
Uma parcela considerável da verve de Franco tem origem na frustração, comum entre seus pares de linha mais ortodoxa, com o prestígio local de teses e opiniões não convencionais -o exemplo mais evidente na economia é o desenvolvimentismo latino-americano.
"Parece haver entre nós um gosto profundamente assentado pela lei de ouro da imprensa: ouvir os dois lados com igual atenção, mesmo quando isso resulta em dar a palavra ao alternativo e ao exótico", escreve.
Há no texto, por isso, um tanto de militância, que, como quase sempre, colabora para a escassez de autocrítica. Mas a boa distribuição de inteligência ao longo de seis capítulos e 218 páginas compensa tais fragilidades.