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Entrevista Antonio Delfim Netto

Governo precisa corrigir 'tropeços' para que país possa crescer mais

Ex-ministro diz que manobra fiscal e atuação no câmbio abalaram confiança

ÉRICA FRAGA DE SÃO PAULO

O economista Antonio Delfim Netto garante que mantém seu aval a Dilma Rousseff. Mas passou a criticar o que classifica como tropeços do governo petista.

Em entrevista à Folha na manhã de ontem, o ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento criticou o modelo de concessões à iniciativa privada que fixa rentabilidade do investidor.

Segundo ele, isso leva o mercado a responder "com a porcaria que cabe em sua taxa de retorno".

Também na manhã de ontem, o governo anunciou mudanças nas regras para as concessões de projetos de infraestrutura. Melhorou as condições para os investidores, mas manteve o critério de taxa de retorno -embora a tenha aumentado.

Para Delfim, o "truque fiscal" para cumprir a meta de superavit primário gerou um efeito de catastrofismo, que "permitiu que se generalizasse a ideia de que o governo não sabe o que está fazendo".

Ele também é contra a recente tentativa do Banco Central de apreciar o real e os incentivos do governo à formação de oligopólios.

Mas o economista, que é colunista da Folha, elogia a continuação da política de redistribuição de renda pelo governo Dilma, que, para ele, vai na direção certa e só precisa fazer algumas correções.

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Folha - O senhor adotou um tom mais crítico em relação ao governo. O que o levou a isso?

Antonio Delfim Netto - Não mudou o tom coisa nenhuma. Eu acho que a política do Lula era boa. Considero a Dilma uma tecnocrata de altíssima qualidade. Tudo o que ela está fazendo está na direção certa. Começando com aquela intervenção na poupança, a redução dos juros, a redução do custo de energia.

O que eu digo é o seguinte, a minha mudança...

Chamei a atenção para uma coisa que foi exagerada, a operação quadrangular entre Tesouro, BNDES, Caixa Econômica. Aquilo diminui a credibilidade da política. Você não precisava do superavit primário de 3,1% [do PIB]; com 2% você fazia o serviço.

Os investidores parecem estar menos confiantes no governo.

O governo não tem conseguido produzir leilões capazes de atrair a iniciativa privada. Tenta fixar coisas que não podem ser fixadas simultaneamente.

Você pode fixar a qualidade da concessão. E depois fazer um leilão competitivo em que é determinada a taxa de retorno. Esse é o modelo ideal. Ou você fixa a taxa de retorno e o mercado vai responder com a porcaria que cabe dentro da taxa de retorno. O governo não pode é fixar as duas coisas ao mesmo tempo. Se ele não se afastar desse modelo, a qualidade dos serviços não será a desejada.

E a infraestrutura do país continuará com problemas?

Sim, nossa infraestrutura continuará em dificuldades.

Isso impacta o crescimento?

Não há razão para o Brasil não poder crescer entre 3,5% e 4% neste ano. Mas vai depender do nível de investimento. Se você conseguir concessões com qualidade razoável e taxa de retorno adequada, vai atrair o investimento privado.

O que mais o governo pode fazer para recuperar a confiança do setor privado?

Há medidas como a desoneração da folha de pagamento junto com a relativa desvalorização do real que estão produzindo efeitos importantes na estrutura produtiva e na própria exportação.

Mas, quando o governo faz uma intervenção intempestiva no câmbio, aquelas pessoas que tomaram o risco de acreditar na política de desoneração e de câmbio entram em estado de estresse.

O sr. se refere à intervenção do BC [para valorizar o real]?

É. Essa ideia de que corrigir cinco centavos no câmbio muda a expectativa de inflação é absurda.

Produziu algum efeito terrível físico? Não. Mas produziu uma dificuldade na credibilidade do governo.

Não se pode estressar mais o setor industrial.

O sr. também tem criticado os incentivos a setores escolhidos por meio do BNDES.

É verdade, acho que essa não é uma política das mais inteligentes, formar oligopsônios [em que poucas empresas, de grande porte, compram determinado produto] e oligopólios com recursos do Tesouro, porque é óbvio que não são instrumentos eficientes no processo competitivo. São contra a competição. Mas isso vem de muito tempo. Não tem nada a ver com a Dilma.

Vem do governo Lula?

Sim, vem do governo Lula. Tanto quanto sei até hoje, essa não é uma coisa que termine bem.

Como termina?

Com mais inflação.

A inflação hoje é um risco?

Não acredito. A inflação vai flutuar um pouco. O BC continua com os instrumentos, tem autonomia. É um erro imaginar que não opere. Como é um erro imaginar que o governo não saiba administrar essa política econômica.

O que tem acontecido de melhor no país?

O lado bom é que as instituições estão muito mais fortes do que sempre estiveram. O Brasil é o emergente que tem as instituições mais sólidas, como prova esse julgamento do STF [do mensalão]. E, mesmo que tenha crescido pouco, temos crescido reduzindo a desigualdade. A redução da desigualdade é tão importante quanto o crescimento.

E estou convencido: se o governo corrigir essas pequenas coisas, vamos crescer entre 3,5% e 4%. Se não corrigir, vamos ter um crescimento menor. Mas não significa que o Brasil vai entrar em estagnação. Simplesmente vai ter crescimento menor.

Mas isso não seria ruim?

É claro que um crescimento maior é melhor, desde que acompanhado desse aumento de igualdade de oportunidade. Este é o ponto central: estamos construindo uma sociedade mais decente, dando à economia de mercado o que falta a ela, que é a redução da flutuação no nível de emprego e o aumento da oportunidade de igualdade. Não há razão para esse catastrofismo que se apropriou do país.

O erro do truque fiscal produziu esse efeito. Permitiu que se generalizasse a ideia de que o governo não sabe o que está fazendo. Duvido que o governo repita esse erro.


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