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Sonho de caminhoneiro

Programa de renovação da frota no porto de Santos torna realidade o maior desejo dos profissionais do volante: trocar o velho "jacaré" por uma máquina nova

FILIPE OLIVEIRA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Com 16 anos de experiência na boleia de caminhão, Cleiton Silva, 37, lembra pelos números dos modelos cada um dos veículos que teve: o 1113, 1932, 1924...

Mas eram todos "bactérias" ou "jacarés". Na gíria dos caminhoneiros do porto de Santos, esses são alguns dos apelidos que recebem os caminhões velhos, que só fazem transportes mais leves.

Na região, são cerca de 1.200 caminhões com mais de 30 anos dirigidos por caminhoneiros autônomos.

Enquanto os novos fazem o trabalho do "cheio", carregando até 30 toneladas, "jacarés" fazem o "vazio". Ou seja, levam contêineres vazios de cinco toneladas de um terminal do porto para outro ou até as cidades vizinhas Cubatão e Guarulhos.

A limitação das "bactérias" se sente no bolso. Um transporte do "vazio" feito no porto de Santos custa R$ 170, enquanto o "cheio" vale R$ 300. Se o destino for Guarulhos, os valores passam a R$ 389 e R$ 500, respectivamente.

Além de só conseguir transportes mais baratos, Cleiton diz que ter caminhão velho já o colocou em situações complicadas, tantas foram as quebras.

"Caminhão velho você compra e pensa que ele vai trabalhar. Mas aí dá pau no motor, no câmbio. Você já está enrolado com o financiamento e tem de dar cheque, meter cartão de crédito para pagar o conserto. O carro fica parado na oficina e você, para não sujar seu nome, tem de pegar dinheiro emprestado em banco. Daí a pessoa não se acerta mais."

Mas agora ele conta os dias para dirigir sua primeira "nave": um caminhão Iveco Stralis 530 novo. Com motor de tecnologia Euro 5, mais econômico e menos poluente, terá até ar-condicionado. O veículo foi comprado em um financiamento de R$ 257 mil, incluindo seguro e taxas, pagos durante oito anos.

"Tudo vai mudar, graças a Deus. Com caminhão novo, o cara te laça na rua, dá para brigar por frete melhor."

A oportunidade veio de um programa de renovação da frota de caminhões do porto de Santos. A Desenvolve SP entrega neste mês os primeiros veículos financiados com prazo de até 96 meses e juros bancados pelo governo de São Paulo, caso o pagamento seja feito em dia.

Podem fazer uso dessa linha de crédito motoristas autônomos que trabalham no porto de Santos e que possuem caminhões com mais de 30 anos.

Outra condição é que os "jacarés" e as "bactérias" não sejam vendidos, mas levados para uma estação de reciclagem licenciada. O valor que o caminhoneiro receberá será menor do que teria em caso de venda.

VALENTE

Extrovertido e sem medir palavras para reclamar de sua classe, que considera desunida na hora de brigar por seus interesses, Cleiton não segura as lágrimas ao falar do pai, Celso, e de seu "jacaré", que será sucateado.

O primeiro foi quem o colocou na profissão, aos 20 anos. Na época, estava em dificuldade porque a namorada engravidou.

"A pessoa que ficou do meu lado foi meu pai. Foi ele quem chegou e falou, 'é nóis'. Vendeu um terreno e comprou o primeiro caminhão."

O atual, um Scania 110 de 1976, está com ele há três anos. Emocionado, Cleiton conta que, ao contrário dos outros, o caminhão foi uma bênção em sua vida. Apesar da aparência desgastada, com a pintura enferrujada, os pneus carecas e a maçaneta da porta sem funcionar, o "jacaré" nunca o deixou na mão.

"Ele é que nem eu. Cai pra dentro! No cais é tudo difícil. Esse caminhão é valente, não afina. Já coloquei até 50 toneladas nele."

Com a "nave", Cleiton pretende mudar de trabalho. Ele quer sair das remoções que faz durante a noite para não ser parado pela fiscalização devido ao mau estado do veículo.

Ele planeja trabalhar contratado por uma empresa. Com isso, espera passar dos R$ 4.000 que ganha por mês para cerca de R$ 10 mil.

Daí para a frente, faz contas: assim que pagar todas as parcelas de R$ 2.700 do financiamento, estará na hora de trocar seu veículo por um mais novo: "Já era ter caminhão velho."

PERSISTÊNCIA

Um rolo de arames e cola são instrumentos básicos para quem dirige um "jacaré".

Quem explica é Robsom de Lima, 34, que comprou o primeiro caminhão para o pai em 1999 com a remuneração que recebia como cabo do Exército.

Assumiu a direção cinco anos depois. Estava trabalhando como vigia, o que achava muito tedioso, quando a habilitação do pai venceu. Logo trocou o caminhão por um maior, seu cinquentenário Scania 110, de 1962.

Daí em diante, não foram poucos os finais de semana que passou debaixo do caminhão fazendo consertos.

A experiência em mecânica veio da repetição das quebras. "Agora, vou na oficina e o cara já me conhece. Chego na hora que abre e saio na hora que está fechando. E sou curioso, vou sempre aprendendo as coisas. Muita coisa já não pago para mexer."

Mas nem tudo teve solução. Em 2008, Robson teve de gastar R$ 12 mil para trocar parte do motor. O prejuízo foi ainda maior porque ficou 17 dias sem trabalhar.

Depois de experimentar seu novo caminhão, um Mercedes Axor 1933 -comprado por R$ 232 mil em 90 prestações-, diz que não terá nenhuma dificuldade de levar o "jacaré" para a sucata.

"Ele já estava percebendo que ia embora. Tanto que deu defeito todos os dias desta semana", contou, na semana anterior ao Carnaval.

Para ele, o novo caminhão o levará para um futuro diferente. Quer fazer uma faculdade de comércio exterior e, mais tarde, trabalhar no porto cuidando da logística.

"Quero melhorar um pouco mais, mas não quero morrer na roda, não."

Quanto aos arames, ficarão guardados de recordação. Se acontecer algum problema, é só chamar o seguro.


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