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Governo mudará agência de cooperação

Anúncio de Dilma não deixa claro, porém, se ela fará parte do Itamaraty e se promoverá investimentos em outros países

'Cooperação técnica' hoje não é condicionada a vantagens comerciais; ex-chanceleres expõem dúvidas sobre o projeto

ISABEL FLECK DE SÃO PAULO

O anúncio da criação de uma agência de cooperação e comércio para África e América Latina, feito pela presidente Dilma Rousseff em viagem à Etiópia no fim de maio, evidenciou planos ambiciosos do Planalto e tem despertado, desde então, temores sobre o futuro da ABC (Agência Brasileira de Cooperação) dentro e fora do Itamaraty.

Na última segunda-feira, o chanceler Antonio Patriota disse que a cooperação brasileira passa por uma "transformação estrutural".

"A presidente Dilma antecipou a ideia de uma nova agência, que poderia se chamar ABCD --de Cooperação e para o Desenvolvimento-- e que envolverá montantes mais elevados para prestação de cooperação, mas que ainda está em fase de elaboração", disse, durante palestra em São Bernardo do Campo.

No Itamaraty e na própria ABC, pouco se sabe sobre o que vai acontecer com o atual modelo. Dilma disse que pretende usar a nova agência "para viabilizar investimentos" e sugeriu que ela poderia não ficar mais sob a tutela da Chancelaria brasileira.

Os dois pontos propostos são vistos com desconfiança por pessoas familiarizadas com o tema. O primeiro deles --unir promoção de investimentos e cooperação técnica numa mesma agência--, pela possibilidade de gerar uma fusão entre interesses comerciais e os projetos da agência.

O passo poria em xeque a chamada "cooperação desinteressada" defendida pelo Brasil como pilar da parceria com países pobres.

"É possível que haja confusão de objetivos e de missão. Tal qual a ABC funciona hoje, o Brasil está realmente prestando uma cooperação solidária, interessada apenas na projeção do país", diz o ex-chanceler Celso Lafer.

Para o pesquisador Eduardo Achilles, doutorando na London School of Economics, Dilma deixou claro que quer que a "nova agência" gere "dividendos comerciais".

"Mas, se passar a condicionar, por exemplo, a cooperação nos países à contratação de empresas brasileiras, vai mudar o modelo e será preciso encontrar outro discurso."

A chamada "condicionalidade" --que relaciona a ajuda a vantagem comercial ou a demanda política-- está presente no sistema de cooperação de grande parte dos países desenvolvidos, mas sempre foi recusada pelo Brasil. Por aqui, a atividade de promoção à exportação e ao investimento está concentrada em outra agência, a Apex.

O diretor da ABC, Fernando Abreu, acha "tecnicamente possível" ter investimento e cooperação num só órgão sem conflito de interesses.

"Ainda não sabemos exatamente o que a presidente pensa disso, mas podemos ter uma agência que financia atividades ou equipamentos sem vincular com investimentos. São vários modelos possíveis", disse à Folha.

A África, um dos focos da nova agência e que concentra hoje 79 dos 189 projetos de cooperação da ABC, foi a região que teve mais embaixadas abertas pelo Brasil nos governos Lula e Dilma ­--quase a metade das 48 criadas.

Desde 2003, as exportações do país para o continente cresceram quase seis vezes, e aumentou substancialmente o interesse de empresas brasileiras em investir lá.

PRESTÍGIO

Outro ponto de tensão é a possível retirada da agência do "guarda-chuva" do ministério. Hoje, a ABC é subordinada à Secretaria-Geral do Itamaraty e seu orçamento --de R$ 36 milhões em 2012-- está vinculado à pasta.

"A ABC foi criada para que a cooperação técnica fosse parte da nossa politica externa, como é em todos os lugares do mundo", diz o também ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, primeiro diretor da agência, de 1987 a 1989.

Lafer também diz "não ver com entusiasmo" a possível diminuição da "esfera de jurisdição do Itamaraty". "Não é bom para a política externa nem para a instituição."

Abreu defende que a agência esteja "articulada" com o Itamaraty. Ele, contudo, elogia a iniciativa, anunciada por Dilma, de fazer com que a agência não dependa mais de organismos internacionais.

Por não haver no Brasil lei que ampare as atividades de cooperação, a ABC depende de organizações como o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) para realizar os projetos.


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