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'Estabilidade do Egito depende de inclusão da Irmandade'

Representante do Brasil para o Oriente Médio, Cesário Melantonio diz que desigualdade de renda é fator importante na crise do país

ELIANE CANTANHÊDE COLUNISTA DA FOLHA

O atual representante do Brasil para o Oriente Médio, embaixador Cesário Melantonio, diz que o golpe militar no Egito não terá nenhuma chance de sucesso se excluir a Irmandade Muçulmana, à qual pertence o presidente deposto Mohammed Mursi.

Depois de mais de dez anos no Oriente Médio, quase quatro deles no Egito, de onde assistiu à revolução de 2011 ao vivo, Melantonio, 63, diz que os militares vivem um dilema: a Irmandade terá de ter candidato se e quando houver novas eleições."Como será possível governar um país marginalizando de 30% a 40% da população? E se a Irmandade ganhar de novo? O que vão fazer?", questiona.

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Folha - Como o sr. analisa os militares que deram o golpe no Egito?

Cesário Melantonio - Se quiser assegurar a volta à democracia e à estabilidade, o grupo militar vai ter de convocar uma nova eleição para o Parlamento, elaborar uma nova Constituição e eleger um novo presidente.

A grande pergunta é: como estabilizar o Egito sem a Irmandade Muçulmana? A Irmandade já provou, nas eleições, que tem 30%, senão 40%, do eleitorado. Como será possível governar um país marginalizando de 30% a 40% da população?

Se somarmos a Irmandade, islâmicos moderados, aos salafistas, que são os islâmicos radicais, esse número cresce muito, pois os salafistas têm de 15% a 20% dos votos. Eles tinham apoiado o golpe militar, mas voltaram atrás depois que prenderam o Mursi e toda a liderança.

Embora haja divergências, a Irmandade e os salafistas pregam o islã político, detêm dois terços do eleitorado e estão fora do processo político.

O golpe vai dar certo? E se eles cumprirem o prometido e fizerem eleições livres?

Como está, não vão conseguir estabilidade. Digamos que façam o que estão prometendo. E se a Irmandade ganhar de novo? E aí, o que os que estão no poder vão fazer?

Vejo com muita preocupação a evolução no Egito. Não está na boa direção. Não ocorre um processo inclusivo, mas de exclusão.

Qual o suporte político aos militares?

O Egito é um país muito diversificado, muito fraturado: mais de 10% são cristãos, os coptas, e o que conta não é a quantidade, é a qualidade. Os médicos, engenheiros, advogados são coptas. Então, eles têm a elite intelectual e o poder econômico.

Como os intelectuais se aliam aos militares num golpe?

Boa pergunta. Não quero justificar, até porque acho injustificável, mas tudo no Egito acaba caindo na questão religiosa. O antagonismo entre a Irmandade e os coptas é histórico, e não só pela religião, mas também pela questão social. Os coptas são ricos e os muçulmanos, pobres.

A experiência mostra que a esquerda só se alia aos militares em torno do nacionalismo e do combate à corrupção. Isso se repete no Egito?

No Egito, a questão que foi, é e vai continuar sendo fundamental é a falta de justiça social, a imensa diferença de renda entre pobres e ricos.

Segundo a ONU, entre 30% e 40% da população vive com US$ 1 a US$ 2 por dia.

E, de outro lado, há 32 famílias, como ocorre nas sociedades autocráticas, extraordinariamente ricas, até mesmo para padrões do Primeiro Mundo. É óbvio que isso gera e vai continuar gerando pressões sociais.

A Irmandade Muçulmana sempre cultivou esse público pobre, esses quase 40%. Temos o hábito de olhar só para o Cairo e para Alexandria, mas há todo o interior, do qual se sabe pouco. E é nessa área que a Irmandade é forte.

A situação pode evoluir para um guerra civil?

Não acredito, porque as forças políticas se digladiam há décadas, mas o Egito é um país de composição e eles vão acabar se compondo.

Não neste ano, mas em algum momento isso será inevitável.


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