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Clóvis Rossi

De política e de corações gelados

Pito do papa nos clérigos serve, palavra por palavra, para os políticos de hoje, talvez de sempre

Com atraso, devido às férias, visito a revolucionária entrevista que o papa Francisco concedeu à revista dos jesuítas. Não para tratar dos assuntos ligados à igreja, que já foram bem analisados, mas para falar de política.

O fato é que o papa, na sua crítica ao desempenho dos religiosos, acabou traçando um retrato muito bem acabado dos políticos contemporâneos.

O que Francisco disse dos clérigos serve à perfeição para os políticos: "O povo de Deus necessita de pastores e não funcionários, clérigos de escritório". O povo de qualquer Deus e também o povo sem Deus necessita de políticos que sejam guias de verdade e não se escondam, como fazem os políticos de hoje em dia, em seus gabinetes hiperprotegidos.

"Os ministros do Evangelho", continuou o papa, "devem ser pessoas capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar com elas pela noite, de saber dialogar e inclusive descer à noite de cada um, à sua escuridão, sem se perder".

Vale para os ministros do Evangelho como vale também para os ministros de qualquer governo da face da Terra, para os governantes em geral, para parlamentares, para qualquer dirigente político que queira ser digno desse nome.

Existem hoje políticos que aqueçam corações? Não os vejo em parte alguma. Basta pensar na política que é o grande sucesso eleitoral da semana, a alemã Angela Merkel. Foi re-reeleita, é verdade, mas quer dizer com isso que aquece corações? Não, testemunha a revista "Der Spiegel": "Ela tem sido sempre mais uma mediadora qualificada do que uma líder", analisou a revista, mesmo após o espetacular resultado eleitoral da chanceler.

No Brasil dos anos recentes, até tivemos um "esquenta-corações", tanto para o amor como para o ódio, caso de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas demorou para pegar no breu, tanto que não esquentou corações suficientes para vencer as quatro primeiras eleições majoritárias de que participou (a de governador em São Paulo, em 1982, e três presidenciais sucessivas).

E mesmo nos seus melhores momentos, jamais atingiu a maioria absoluta dos corações (conseguiu, sim, no segundo turno, a maioria dos votos válidos, o que exclui abstenção, nulos e brancos).

O bom pastor --e o bom político-- não precisa apenas aquecer corações, mas, sempre segundo o papa, deve ser parte de uma igreja que "encontre caminhos novos, capaz de sair de si mesma e ir ao encontro do que não a frequenta, daquele que se foi".

Quem, no mundo, está propondo caminhos novos de verdade? Reina tamanha mesmice que, voltando à Alemanha, uma inegável história de sucesso, cogita-se, sem espanto para ninguém, uma coligação entre os partidos que foram sempre adversários, a Democracia Cristã de Merkel e a Social-Democracia do derrotado Peer Steinbrück, que, de resto, já foi ministro de Merkel, quando os dois rivais se aliaram em 2005.

Desconfio que há muito mais fiéis que se afastaram da política do que da igreja. Pena que, na política, não haja um sumo sacerdote capaz de dizer que os reis estão nus.

crossi@uol.com.br


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