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Clóvis Rossi

A era do desamor pela política

Chile, o mais recente exemplo do descrédito que cerca os políticos em quase todo o mundo

O resultado mais impressionante da eleição de domingo no Chile não foi a vitória (a ser confirmada no segundo turno) da socialista Michelle Bachelet, mas o desapreço pela política demonstrado por eleitores de um dos países mais politizados da América Latina.

Computando-se a abstenção, que foi superior à metade do eleitorado, tem-se que os 47% de Bachelet reduzem-se a menos de um quarto dos votos possíveis. Já seria alarmante em qualquer circunstância, mas se torna dramático quando se sabe que ela tinha 85% de popularidade ao deixar o cargo faz quatro anos.

O quadro geral ficou assim: o presidente que a sucedeu, Sebastián Piñera, não agradou à maioria, com o que levou a direita a um fracasso sonoro. Mas a presidente que vai suceder a um fracassado já nasce fragilizada pela elevada abstenção, óbvio sinal de desapreço por todos os candidatos.

Pior, para Bachelet: no próprio dia da eleição, conforme relato da competente enviada especial da Folha, Lígia Mesquita, começou o conflito entre as urnas e a rua, antecipado neste espaço no mesmo domingo.

Um grupo de estudantes ocupou o QG da campanha Bachelet por nada menos que quatro horas, levando uma faixa que antecipa o panorama para os próximos quatro anos: "A mudança não está no La Moneda, mas sim nas grandes alamedas".

Eco tardio da utopia socialista dos anos 70, na medida em que recupera um trechinho da última alocução pela rádio do presidente Salvador Allende, que se suicidaria em La Moneda, o palácio presidencial assediado e bombardeado pelos militares golpistas.

Em sua fala, Alllende dizia que, mais cedo do que tarde, "se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor".

O protesto estudantil é uma demonstração de que tem razão Moisés Naím, acadêmico venezuleano radicado nos EUA e ex-colunista da Folha, que dá a seu mais recente ensaio o título de "O fim do poder". Em palestra recente sobre o livro, Naím dizia que "o poder é cada vez mais fácil de obter, mais difícil de usar e mais fácil de perder".

Percurso que serve para o Chile, mas serve também para grande número de outros países em que a política sofre intenso desgaste.

Para ficar só no mais recente: pesquisa do "Journal du Dimanche" mostra que François Hollande, o presidente francês eleito faz apenas ano e meio, tem a confiança de só 20% dos franceses, o nível mais baixo desde a criação da Quinta República há 55 anos.

Mas, atenção, seus adversários de direita e de extrema direita não se saem muito melhor, não.

Na Espanha, os dois partidos que se revezam no poder desde a restauração democrática de 1977 caíram na preferência popular de 81% na eleição de 2009 para 57% agora.

Seria, mal comparando, como se fosse necessário somar os votos de Dilma Rousseff e José Serra, os mais recentes rivais do eterno Fla-Flu partidário brasileiro, para ultrapassar a maioria absoluta.

Entende-se, assim, por que uma parte do público prefere "as grandes alamedas" às urnas.

crossi@uol.com.br


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