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Análise

Na crise ucraniana, Vladimir Putin recicla discurso de Obama sobre a Síria

Na crise ucraniana, líder russo se aproveita de valores caros aos EUA, como proteção a civis e defesa da democracia

FÁBIO ZANINI EDITOR DE "MUNDO"

O advogado Barack Obama é o político mais poderoso, mas às vezes parece que é o ex-espião Vladimir Putin quem usa melhor o poder que tem. Isso mais uma vez se manifesta na crise da Ucrânia.

Putin tem baseado sua argumentação na que Obama utilizou na crise síria. Deixa, assim, o americano numa posição de fragilidade moral da qual não consegue se livrar.

Obama chegou às vias de uma ação militar após o uso de armas químicas pelo ditador sírio Bashar al-Assad contra civis, em agosto passado.

Não esperava autorização da ONU, onde o veto russo protegeria Assad, seu aliado.

A ação se daria, portanto, à margem da legalidade internacional. Para contornar esse fato constrangedor, a roupagem seria de uma intervenção humanitária, destinada a proteger populações ameaçadas.

"Os EUA não são a polícia do mundo. Mas, se houver a possibilidade de evitar que crianças sejam mortas por gás, nós devemos agir", disse Obama, em setembro.

É difícil ser contra salvar inocentes que por acaso são transformados em efeito colateral de um conflito. Obama sabe disso. Putin também.

Intervenção humanitária é um conceito elástico, e agora é Moscou que o aplica para sua ação na Crimeia, província de maioria russa, supostamente ameaçada por radicais ucranianos (embora não haja evidência disso até o momento, ao contrário do gás sarin usado na Síria).

"A Rússia não pode ignorar os pedidos de ajuda e age em conformidade com o direito internacional", disse Putin há duas semanas.

O russo sabe que a mera defesa de que a Crimeia está na sua esfera de influência não basta para vencer o debate político. Putin tempera o discurso apropriando-se de valores caros ao Ocidente.

A preocupação com civis é apenas um exemplo. Ironicamente para um autocrata como ele, a defesa da democracia é outro trunfo. Afinal, seu protegido Viktor Yanukovich, por pior que fosse, era um presidente eleito democraticamente na Ucrânia, derrubado após tomar uma atitude que era de sua alçada como chefe de Estado, a rejeição de acordo com a Europa.

Mesmo o referendo de secessão na Crimeia, tão vilificado por Obama, encontra paralelos atuais no Ocidente.

Na Escócia, a população da região decidirá pela independência ou não do Reino Unido, em setembro.

Lá, a consulta popular não é organizada sob a mira das armas russas, o que faz diferença, mas Putin ganha um argumento. Se os escoceses podem decidir sua vida, por que a Crimeia não pode?

É pela capacidade de virar do avesso a retórica ocidental, expondo suas limitações, que o russo tem sido tão eficaz. E, para muitos, tão perigoso.


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