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Profissão: sequestradora de avião

Palestina que tomou aeronave há 45 anos e tentou desviar outra diz que atos eram necessários

DIOGO BERCITO DE JERUSALÉM

Uma jovem observa todos os que atravessam o posto de controle militar na entrada de Belém. Desenhada no muro acinzentado que separa Israel da Cisjordânia, ela empunha um rifle Kalashnikov com um sorriso aberto.

É a reprodução de uma foto de 1970, que transformou Leila Khaled em um retrato dos grupos terroristas palestinos da época. Agora, aos 70 anos, Khaled falou à Folha por telefone --ela vive hoje em Amã, na Jordânia.

"Quando me deram minha primeira missão, me perguntaram se eu estava pronta para morrer. Eu disse que sim."

Khaled embarcou em 1969, aos 24 anos, em um avião que ia da Itália rumo à Grécia.

Sequestrou a aeronave e forçou sua aterrissagem em Damasco, na Síria, depois de obrigar o piloto a sobrevoar Haifa, sua cidade natal, que deixou quando Israel foi criado, em 1948, rumo ao Líbano.

"Foi a primeira vez que vi a Palestina", diz, referindo-se ao território. "Estava muito feliz e percebi que tinha o direito de retornar, mesmo que apenas sobrevoando."

O sequestro do voo teve como objetivo chamar atenção para os grupos palestinos. Todos os passageiros foram libertados, exceto dois israelenses, que mais tarde foram trocados por prisioneiros egípcios e sírios.

Khaled nota que, "nas sociedades árabes, é difícil ser mulher". Mas, com o surgimento do movimento nacionalista no Egito, a partir da voz do presidente Gamal Abdel Nasser, na década de 50, elas tiveram "a chance de ser ativas apesar das restrições sociais".

"Quando uma revolução começa, ela sempre rompe com as tradições", diz ela, hoje membro de um órgão legislativo palestino.

E a resistência, diz, exige seus sacrifícios. Um ano depois do primeiro sequestro de avião, Khaled recebeu ordem para realizar um segundo. Para não ser reconhecida pelas forças de segurança no aeroporto, ela modificou o rosto em uma série de cirurgias.

"Eu era uma mulher bonita, mas isso não era importante. O essencial era cumprir a missão que tinham me dado como parte do esforço nacional", diz. "Nada é pior do que o sofrimento sob a ocupação de seu território."

Mas o sequestro de 1970 fracassou. Seu companheiro de atentado foi morto durante o voo. Khaled foi detida em Londres e, mais tarde, libertada pelo governo em acordo de troca de prisioneiros.

GRANADAS

Apesar das críticas a suas ações, consideradas por Israel criminosas e terroristas, Khaled --que diz ter estado três vezes no Brasil-- defende o sequestro das aeronaves, afirmando terem sido necessários à época.

"Precisávamos atrair a atenção internacional para a história palestina. Ninguém via o nosso sofrimento", afirma. "Depois daqueles anos, passaram a nos entender."

Além disso, diz Khaled, suas instruções eram claras: não ferir civis, "mesmo sendo israelenses". No sequestro que foi impedido, ela tinha duas granadas consigo, mas não as utilizou.

Ela não se arrepende da ação, mas reconhece que "o consenso está mudando, e temos de nos adaptar". "O sequestro de aviões está no passado. A cada estágio, as revoluções mudam as suas táticas. Era uma estratégia adequada para o momento."

Enquanto narra os eventos, Khaled confessa saudades. "Sinto falta daqueles anos, de ver o início da revolução palestina. Sinto falta da experiência de resistir."

"Eu ganhei uma nova vida a partir da minha luta", diz.


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